CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA
  • Capoeira no RJ
    • O projeto
    • Lugares de Memória
    • Capoeira na sociedade e cultura
    • Rodas
    • Mestres
    • Grupos
    • Malandros da Antiga
  • Raízes Angolanas
    • Sobre o projeto
    • O filme
    • Os Nhaneca-Nkhumbi
    • Notícias
    • Eventos & Exibições
  • Blog
  • Sobre o site
    • Consultores 2025-2027
    • Consultores 2019-2024
    • Colaboraram com conteúdo
  • Links
  • English
  • Português
17th maio 2024 0
Geral, Caribe, Outras lutas

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1
17th maio 2024 0
Geral, Caribe, Outras lutas

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1

Por Michael J. Ryan.

O que é o garrote?

Atirar um pau de madeira de lei com cabo entrançado em alguém foi outrora a principal reação dos homens venezuelanos que se sentiam desrespeitados, ou tinham a sua hospitalidade ou ancestralidade abusadas, ou a sua propriedade ameaçada. Outras vezes, os homens agitavam os seus porretes uns contra os outros para provocar um tumulto, passar o tempo e, por vezes, até prestar homenagem a um santo local. A bengala com cabo trançado, conhecida como garrote ou palo, fazia parte da vestimenta cotidiana dos homens venezuelanos do início do século XIX a meados do século XX. No centro-oeste da Venezuela, lá pelos anos 1950, estas armas, outrora temíveis, foram cada vez mais retiradas do porte público por se tornarem um símbolo estranho e ligeiramente embaraçoso de uma época mais dura. No entanto, entre aqueles que apreciam a sua eficácia e prezam as suas tradições, o palo continua a ser amarrado debaixo da motocicleta, colocado na mala do carro ou escondido atrás da porta de casa, pronto a ser usado se a situação o exigir. O garrote sempre foi mais do que uma mera ferramenta, mas está há muito tempo imerso numa constelação de significados, símbolos e princípios locais. Durante muitos anos, a exibição pública do palo comunicou ao mundo que ali caminhava um homem de honra que havia aprendido o certo e o errado e que sabia cuidar de si mesmo.

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1 Ah Mundo Barquisimeto: A Provisional History of Garrote – part 1

Detalhes dos cabos de antigos palos usados nos confrontos de garrote. Foto de Michael Ryan.

Na Venezuela de hoje, os termos garrote ou juegos de palos referem-se à luta com bastões e, mais especificamente, a uma forma distintamente venezuelana de combate armado. A arte do garrote gira principalmente em torno do uso de um bastão do tamanho de uma bengala, mas também abrange uma variedade de ferramentas ocupacionais que podem funcionar como armas. Dependendo da época, região, repertório, habilidade do professor ou da confiabilidade do aluno, o garrotero também pode ser hábil na esgrima com florete, sabre militar, facão, facão e uma faca em cada mão, chicote e uma faca em cada mão, ou apenas a faca. Alguns garroteros também eram versados ​​no uso da lança ou do chicote, sugerindo raízes em culturas pastorais mais antigas da Europa Ocidental. Além disso, aqueles treinados em garrote muitas vezes se sentiam confortáveis ​​​​usando as mãos vazias como armas e eram hábeis em desarmamentos básicos, luta em pé, tropeções e rasteiras.

Garrote, cotidiano e Tamunangue

Os primeiros relatos do garrote como arma aparecem nos arredores de Barquisimeto no início do século XIX. Biógrafos, cronistas e registos governamentais locais mostram que a luta com bastões, facões e sabres era uma forma generalizada e aceitável de resolver disputas na esfera civil ou de recorrência durante os inúmeros conflitos políticos que assolaram a Venezuela durante o século XIX e início XX. No início do século XX, o garrote passou a ser associado, na região do estado de Lara, a um ritual local dedicado a Santo Antônio de Pádua.

As histórias orais muitas vezes relatam que o garrote era um passatempo recreativo masculino e parte do lazer cotidiano. Durante as horas de folga, os homens bebiam, jogavam e envolviam-se em outros comportamentos de risco destinados a mostrar o seu destemor e habilidade diante da família, dos amigos e da vizinhança. Duelos como esse em um local público permitiam que os membros mais velhos da comunidade exercessem alguma forma de influência restritiva física ou moral sobre os participantes. Desta forma, as atitudes ultra-machistas dos jovens, orientadas para o risco, poderiam ser legitimadas como parte da cultura da aldeia, mas mantidas sob controle, evitando uma violência desenfreada que poderia destruir a sociedade da aldeia através de rixas e vendetas. Isso não quer dizer que os homens não aproveitassem a oportunidade para resolver rancores e rixas durante os festivais locais ou que grandes tumultos não ocorressem, porque aconteceram. No entanto, houve uma maior tolerância aos aspectos lúdicos da violência, e, desta forma, a predominância dos bastões como principal arma funcionou como uma forma de controle cultural da violência desenfreada.

Quando folcloristas e jornalistas começaram a voltar sua atenção para o garrote, na década de 1930, ele fazia parte de um festival de vários dias conhecido como Sones de Negros realizado em Barquisimeto, Carora, bem como nas pequenas cidades e vilas ao redor da área. A essa altura, o ritual começou a se tornar mais formalizado e uniforme e a ter o formato que vemos hoje.

Hector Ramos e Felix Garcia demonstram o garrote. Foto de Orlando Perez, em 2009. Acervo Hector Ramos.

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1 Ah Mundo Barquisimeto: A Provisional History of Garrote – part 1

 Atualmente, todos os anos, no primeiro fim de semana de junho, acontece uma série de cinco a sete danças para pagar uma promessa ou agradecer a Santo Antônio. Seguindo uma série de danças rituais, há um duelo armado de orientação performática conhecido como La Batalla, feito com varas finas de madeira, facões cegos de 30 polegadas de comprimento ou facas de cabo fixo de 12 polegadas. Para os interessados ​​em tradições combativas, o que há de interessante sobre La Batalla, porém , como os mais velhos dizem, é não ser uma dança entre um homem ou uma mulher, como visto no resto do ritual, mas um duelo entre homens, embora cada vez mais mulheres participem dele. Em segundo lugar, até meados do século XX, La Batalla ocorreu com paus grossos e pesados, facões afiados, lanças, chicotes e facas. Na verdade, nas cidades menores, homens que tenham bebido demais e de humor exaltado, puxarão seus bastões de combate grossos, pesados ​​e chanfrados e baterão uns nos outros impiedosamente, para horror e embaraço da multidão, até que consigam separá-los. Outros, igualmente prejudicados e sentindo-se desrespeitados em sua participação em La Batalla, ou porque guardam rancores de longa data, sacarão facões e facas e lutarão até que algumas almas mais corajosas possam encontrar uma vara ou duas para separá-los. Em Barquisimeto, uma das duas maiores áreas urbanas da região, o Tamunangue ainda é feito com facão e faca (embora sem corte). Ali, a forma como o Tamunangue é feito permite vislumbrar um passado mais perigoso e sangrento, onde o Santo foi propiciado com o derramamento de sangue. Os surtos ocasionais de violência real, lúdica ou antagônica, nos bairros da classe trabalhadora das grandes áreas urbanas, ou aldeias menores, endossam a ideia de que La Batalla já foi separada do ritual de homenagem a Santo Antônio. Então, em algum momento do início do século 20, foi cooptado para o ritual e reduzido a uma dança folclórica puramente performativa e sem contato.

A popularidade do garrote e das danças rituais associadas a Santo Antônio começou logo após a Segunda Guerra Mundial, quando um governo civil recentemente democrático chegou ao poder. Procurando solidificar o seu mandato, o novo governo tentou reunir as diversas populações da Venezuela numa única nação. Durante séculos, muitas comunidades em toda a América Latina consideraram-se membros de uma família, de um clã, de um bairro, de uma província ou de uma religião, mas nunca como cidadãos de uma nação ─ isso era algo novo e desconhecido. Como parte deste esforço de construção da nação, as autoridades estatais trabalharam com estudiosos locais e outras elites e cooptaram uma celebração local dedicada a Santo Antônio de Pádua e rebatizaram-na de Tamunangue. Munido de ilusões e pesquisas etnográficas banais, o governo afirmou que a Fiesta de San Antonio resultou da mistura de culturas indígenas, africanas e europeias.

O garrote mantém sua representatividade no imaginário cultural da Venezuela.  Ao lado, imagens de obras de arte popular: escultura em argila, pintura e entalhe em madeira. Fonte: Wikimedia Commons.

Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1 Ah Mundo Barquisimeto: A Provisional History of Garrote – part 1
Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1 Ah Mundo Barquisimeto: A Provisional History of Garrote – part 1
Ah Mundo Barquisimeto: Uma história provisória do garrote – parte 1 Ah Mundo Barquisimeto: A Provisional History of Garrote – part 1

Da mesma forma, o Tamunangue mesclou os instrumentos musicais e as danças desses três povos que vivem na Venezuela e que, ao longo dos séculos, teriam se misturado para tornar a população racialmente indistinguível. Todos seriam iguais, cidadãos da nação venezuelana. Este mito de origem relativo à homogeneidade racial de um país é comum em toda a América Latina e tem servido para contornar o racismo, a opressão e a ganância daqueles que governam.

Apesar da cooptação de uma arte civil, combativa e local pelo discurso político do nacionalismo e da sua redução a uma performance folclórica, o garrote ainda existe e ainda é valorizado e praticado como uma arte combativa destinada a eliminar uma ameaça de forma econômica, eficiente e culturalmente aprovada.

No próximo post veremos o desenvolvimento do garrote na cidade de Barquisimeto.

Michael Ryan

Michael J. Ryan fez doutorado no departamento de Antropologia, na Universidade de Binghamton, Nova York, Estados Unidos e pratica garrote.

Bibliografia

Assunção, Matthias Röhrig.  “Juegos de Palo in Lara. Elementos para la história social de un arte marcial venezolano”. Revista de Indias, LIX, 215 (1999): 55-89, Madrid. (ISSN: 0034-8341).

Canelón, Jesus. “El Juego de Garrote.” Fermentum. Revista Venezolana de Sociología y Antropología, 4, 10. Mérida, 1994, p.22-32.

Gonzales, Argimiro. Enciclopedia autodidáctica sobre el Juego de Garrote venezolano. Barquisimeto (?), Ministerio del Poder Popular para la Cultura, Consejo Autónomo de Cultura del Estado Lara (CONCULTURA) etc, 2007.

Gonzales, Argimiro. El juego del garrote Tocuyano. El Tocuyo (Lara), 1995.

Ryan, Michael J. Venezuelan Stick Fighting: The Civilizing Process in Martial Arts. Lanham, MD: Lexington Books, 2016

Ryan, Michael J. “I Did Not Return a Master, But Well Cudgeled Was I: The Role of  ‘Body Techniques’ in the Transmission of Venezuelan Stick and Machete Fighting.” The Journal of Latin American and Caribbean Anthropology, Vol. 16, 1 (2011), pp. 1-23. 

Ryan, Michael J. “Does anybody here want to fight’… ‘No, not really, but if you care to take a swing at me…’: the cultivation of a warrior’s habitus in a Venezuelan combative art.”  Ido Movement for Culture. Journal of Martial Arts Anthropology. Vol. 15. No.3 (2015) . pp.1-7. 

Ryan, Michael J. “Pueblo Street-Fighting to National Martial Art: The Politics of Tradition and the Nationalization of a Venezuelan Civilian Combative Practice”.  American Ethnologist, Vol. 39.  No.3 (2011), pp. 531-547.

Ryan, Michael J. “Garrote de Lara: The Development of a Creole Armed Combat from the Pueblos of Venezuela.”  The Latin Americanist. Vol. 55.  No. 3 (2011). pp. 67-92. DOI: 10.1111/j.1935- 4940.2011.01122

Sanoja, Eduardo. Juego de garrote larense. El método venezolano de defensa pessoal. Caracas: Federación Nacional de la Cultura Popular, 1984.

Sanoja, Eduardo. Juego de Palos o Juego de Garrote. Guía bibliohemerográfica para su estudio. Los Rastrojos (Lara), Asociación Venezolana de Jugadores de Garrote, Patio de Garrote Clarencio Flores, 1996.

Sanoja, Eduardo e Zerpa, Irene. El Garrote en nuestras letras. Los Rastrojos (Lara), Tallerers tiográficos de Miguel Angel García e Hijo, 1990.

Artigo anteriorEntre ubuntu e milonga: o legado bantu no BrasilDestaquePróximo artigo Augustus Earle: Um artista global no Rio de JaneiroAugustus Earle: um artista global no Rio de Janeiro Augustus Earle's Negroes fighting, Brazils

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Categorias

  • África (4)
    • Angola (1)
    • Bantu (2)
  • Antropologia (4)
  • Biografia (13)
  • Capoeira no Rio de Janeiro (52)
    • 1ª República (8)
    • Atlântico negro (2)
    • Brasil Império (3)
    • Ditadura (1964-85) (3)
    • Época colonial (2)
    • Era Vargas e Populismo (1930-64) (4)
    • Exibições (1)
    • Grupos (7)
    • Grupos de capoeira (3)
    • Iconografia (1)
    • Literatura (1)
    • Lugares da capoeira (4)
    • Lugares de memória (4)
    • Malandros (3)
    • Malandros da antiga (8)
    • Outros estados (11)
      • Bahia (3)
      • Maranhão (2)
      • Pará (1)
      • Piauí (1)
      • São Paulo (4)
    • Rio de Janeiro (7)
    • Rodas (1)
    • Rodas de capoeira (6)
    • Século XXI (9)
    • Sociedade (2)
    • Sociedade e cultura (4)
    • Textos Clássicos (2)
  • Caribe (3)
  • Escravidão (3)
  • Fake news (1)
  • Geral (66)
  • Globalização (6)
  • Historiografia (8)
  • Índico Negro (1)
  • Mulheres na capoeira (1)
  • Outras lutas (9)
  • Raízes angolanas (2)
    • Benguela (2)
  • Relações étnico raciais (2)

Posts recentes

Kokobalé, a arte marcial afro-portorriquenha4th abril 2025
Mestre Pastinha: as malícias escritas de um capoeira-autor21st fevereiro 2025
As origens do savate, do “chausson” e do boxe francês (1798-1842)4th janeiro 2025
Alunos de Mestre Roque8th dezembro 2024
Fórum Global de Artes Marciais 20241st novembro 2024

Tags

BBC. Capoeira. Ident. Camisa Preta. Malandro. Capoeira. Carnaval. Blocos de embalo. Cacique de Ramos. Bafo da Onça. Capoeira. Primeira República. São Paulo. Capoeira e Política. Maltas. Capoeira crioula e capoeira escrava. Capoeira nas ruas. São Paulo. Maltas. Primeira República. Capoeira no exterior. Profissionalização. Transnacionalização. Capoeira songs. Festival Galo já Cantou. Competition. Rádio Capoeira. Mestre Paulão Kikongo. Mestre Alexandre Batata. Engolo. Neves e Sousa. Câmara Cascudo. Mestre Pastinha. Escola de samba. Mangueira. Mestre Leopoldina. Salgueiro. Viradouro. Grupo de capoeira. Kapoarte. Filhos de Obaluaê. Mestres Mintirinha História Atlântica. Benguela. Angola. África. Escravidão. Tráfico de escravizados. Mariana Candido. Rio de Janeiro. Raízes angolanas da capoeira. Khorvo and Silas. Lapa. Boêmia. Maxixe. Malandragem. Mulher. Empoderamento. Mestra Cigana. Mestra Janja. Música de capoeira. Festival Galo já Cantou. Concurso. Rádio Capoeira. Mestre Paulão Kikongo. Mestre Gegê. Paulão Paulão. Burguês. Mintirinha. Piriquito Prata Preta. Revolta da Vacina. Desterro. Acre. Roda de Capoeira. Central do Brasil. Mestre Mucungê. Roda de Capoeira. Zé Pedro. Bonsucesso. Rua Uranos. Roda do Lavradio. Lapa. Mestre Celio Gomes. Aluandê. GCAP. Sete Coroas. Malandro da antiga. Primeira República.

Dedicated to the history of capoeira.

Our aim is to provide you with reliable information, which is backed up by research and evidence. The massive growth of capoeira worldwide has created an increased need for information on its history and traditions.

Informação de contato

capoeirahistory@gmail.comhttps://capoeirahistory.com/
@ Contemporary Capoeira 2021 - Privacy policy | Terms of use

Bem-vindo

a capoeirahistory.com, um website dedicado à história da capoeira.

Categorias

  • 1ª República
  • África
  • Angola
  • Antropologia
  • Atlântico negro
  • Bahia
  • Bantu
  • Benguela
  • Biografia
  • Brasil Império
  • Capoeira no Rio de Janeiro
  • Caribe
  • Ditadura (1964-85)
  • Época colonial
  • Era Vargas e Populismo (1930-64)
  • Escravidão
  • Exibições
  • Fake news
  • Geral
  • Globalização
  • Grupos
  • Grupos de capoeira
  • Historiografia
  • Iconografia
  • Índico Negro
  • Literatura
  • Lugares da capoeira
  • Lugares de memória
  • Malandros
  • Malandros da antiga
  • Maranhão
  • Mulheres na capoeira
  • Outras lutas
  • Outros estados
  • Pará
  • Piauí
  • Raízes angolanas
  • Relações étnico raciais
  • Rio de Janeiro
  • Rodas
  • Rodas de capoeira
  • São Paulo
  • Século XXI
  • Sociedade
  • Sociedade e cultura
  • Textos Clássicos

capoeirahistory.com