Por Matthias Röhrig Assunção.
Depois do desmantelamento das maltas cariocas no início do regime republicano, em 1989-90, houve um período caracterizado pela ausência de organizações de capoeira significativas no Rio de Janeiro. A capoeira teve que se reconfigurar e a sua versão modernizada surgiu primeiro no espaço das academias.
Se os mestres são os guardiões do saber ancestral e a roda, o lugar onde a capoeira acontece, os grupos foram e são os responsáveis pelo crescimento do número de praticantes e o seu enquadramento organizacional.
Conheça os grupos
que fazem a história da capoeira no Rio de Janeiro
Desde a década de 1930, pelo menos, alguns pioneiros como Jaime Ferreira e Sinhozinho ofereciam treinamento de capoeira aos seus alunos no Rio de Janeiro. Mas, a capoeira que ensinavam era apenas uma vertente das artes marciais, fomentando um processo que resultaria na emergência do vale-tudo. Além do mais, no caso da capoeira, tratava-se de uma prática que se distanciava das suas raízes afro-brasileiras, sendo praticada sem bateria, sem os rituais tradicionais e sem “fundamentos”.
Desta maneira, não se pode falar ainda nessa época de grupos de capoeira. Utilizo a palavra “grupo” aqui em seu sentido amplo, de coletivo ou associação de pessoas para uma determinada finalidade. A partir da década de 1960, a denominação grupo se generalizou na capoeira, com um significado bastante específico, remetendo a uma associação, geralmente liderada pelo mestre mais antigo e fundador da entidade , com estrutura piramidal e direção quase sempre centralizada.
Os primeiros grupos de capoeira moderna surgiram, como se sabe, em Salvador, com Mestre Bimba e o Centro de Cultura Física Regional (CCFR), na década de 1930, e o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), liderado a partir de 1941 pelo Mestre Pastinha. Outros mestres, como Canjiquinha e Caiçara, também criaram grupos, inclusive com o intuito de organizar apresentações para turistas. Foi no Rio de Janeiro, no entanto, que surgiu uma nova leva de grupos e foram desenvolvidos novos modelos organizacionais. Alguns grupos de capoeira do Rio e de São Paulo conseguiram chegar a um novo patamar em termos de número de praticantes e estrutura organizacional, facilitando a expansão da capoeira por outros estados brasileiros e mundo afora.
Além dos grupos houve, desde os tempos de Getúlio Vargas, um enquadramento das associações de capoeira pelo Estado. Ao criar o Conselho Nacional de Desportos, em 1941, o Estado Novo incorporou nessa entidade a Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP), criada em 1933, no Rio de Janeiro, pelo Decreto-Lei nº 3.199, de 14/04/1941. A CBP foi a primeira organização a representar a capoeira por meio de um departamento específico de capoeira. Na década de 1970, estabeleceram-se federações de capoeira, em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Bahia, que tentaram arregimentar os grupos em uma tentativa de desportivizar a prática, homogeneizar as graduações e criar um regulamento para competições.
As federações e a subsequente Confederação Brasileira de Capoeira (criada em 1992) tiveram um papel importante na institucionalização da arte e conseguiram incorporar parte considerável dos grupos, embora muitos tenham se mantido de fora buscando preservar sua independência. Como salientou Luiz Renato Vieira: “Está claro que os grupos foram a forma de organização que a capoeira escolheu”.1 Por essa razão, é importante entender o processo de criação e desenvolvimento dos grupos nessa fase formativa dos anos 60 e 70 no Rio de Janeiro. Esse eixo temático está sendo desenvolvido pelo projeto com a intenção de resgatar material, fontes primárias e depoimentos que possam ajudar a estabelecer melhor a história dessas entidades e da Federação. Essa trajetória até agora foi pouco contada, mas é fundamental para entender a grande expansão da arte a partir da década de 1990, tendo o Rio de Janeiro como um dos principais centros de propagação.
1 M. Luiz Renato Vieira, Praticando Capoeira, II, No. 17, pp. 33 e conferido pelo autor, 09.3.2021.
Grupos de capoeira no Rio de Janeiro, 1974
Escolhi como ponto de partida um levantamento feito por André Lacé em 1974 dos grupos que existiam na Zona Norte da cidade e alguns da Baixada. Completando essa lista com os grupos da Zona Sul e Niterói, pode-se afirmar que havia ao redor de 25 grupos de capoeira nesse momento, ativos em mais de 40 locais de treino.
Um aspecto interessante é que nesse momento já existem vários núcleos que formaram alunos, que por sua vez criaram seus próprios grupos. É importante fazer várias ressalvas.
Em primeiro lugar, as genealogias dos grupos – como, também, aliás, a dos mestres – não são tão simples como as hierarquias de gráficos digitais, podendo servir apenas como ponto de partida para uma análise mais aprofundada. Em segundo lugar, esse esquema tem falhas, porque não conseguimos ainda identificar por completo alguns grupos. Entretanto, essa lista provisória já permite uma constatação: além das quatro linhagens identificadas por Mestre Levi, como a origem dos grupos atuais, há um conjunto de grupos menores que não necessariamente se afiliava a essas quatro matrizes.
Pedimos a colaboração de todos para saber mais sobre a existência de todos esses grupos. Por favor, aqueles que se disponham a disponibilizar material impresso, vídeos ou áudios entrem em contato pelo e-mail capoeirahistory arroba gmail.com.
Agradecemos a Luiz Renato Vieira os comentários a uma versão anterior desse texto.