As coleções vivas do Brasil, de Helinä Rautavaara

As coleções vivas do Brasil, de Helinä Rautavaara

Por Kristina Tohmo.

O Museu Helinä Rautavaara recebeu seu nome em homenagem à fundadora, investigadora e jornalista Helinä Rautavaara (1928-1998). Rautavaara, mestre em psicologia e aluna de estudos comparativos de religiões na Universidade de Helsinque, dedicou sua vida a viajar pelo mundo e a documentar o patrimônio cultural vivo principalmente da África, América Latina, Médio Oriente e Sul da Ásia.

As viagens de Rautavaara acrescentaram objetos culturais, fotografias, filmes super-8 e gravações de áudio e vídeos às suas sempre crescentes coleções. Na Finlândia, tornou-se conhecida pelo seu conhecimento pessoal da América do Sul, do Caribe e da África. As suas coleções, compostas de arte, artigos rituais e objetos cotidianos, contêm mais de 3 mil artefatos diferentes, com ênfase especial nos objetos africanos e brasileiros do século XX. A coleção relativa à vida pessoal de Helinä Rautavaara inclui também objetos e peças de design da Europa.

Durante os seus últimos anos, recebeu muita publicidade para o seu projeto de museu. A propriedade Rautavaara foi patrocinada e um museu dirigido por profissionais foi estabelecido em Tapiola, Espoo, em 1998.

As viagens de Rautavaara na América Latina: material brasileiro das décadas de 1960 e 1970

Era 1958 quando Helinä Rautavaara recebeu uma bolsa ASLA-Fulbright para estudos de pós-graduação em Psicologia em Ann Arbor, Michigan. Após um ano de estudos, começou a pedalar longas distâncias nos Estados Unidos e, em 1959, decidiu fazer uma viagem de bicicleta pelo México e América Central até à América do Sul. Em 1963 Rautavaara chegou ao Brasil.

Durante esta primeira viagem ao Brasil, de fevereiro de 1963 a abril de 1964, Rautavaara visitou o Rio de Janeiro, Salvador, Cachoeira e Recife. Foi cativada pelos rituais do candomblé e umbanda e pela arte marcial da capoeira. Começou a recolher dados sobre as religiões afro-brasileiras para a sua tese de doutoramento, para analisá-las do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento. Infelizmente, a dissertação nunca foi concluída.

Em seu segundo período no Brasil, em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Manaus, de dezembro de 1970 a março de 1971, Rautavaara foi financiada por uma bolsa de estudo para estudar religião comparada. Aprofundou os seus conhecimentos gravando no local explicações de rituais e filmando várias iniciações com a sua nova câmera super-8. Conseguiu acesso a lugares onde os não iniciados normalmente não eram permitidos. O estudo das religiões afro-brasileiras também despertou o seu interesse pela África.
Helinä Rautavaara com Mestre Waldemar em Salvador, Bahia, Brasil, 1971.
Foto: Arquivo fotográfico do Museu Helinä Rautavaara
Licenciada sob CC BY-NC-SA 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
Helinä Rautavaara com Mestre Waldemar em Salvador, Bahia, Brasil, 1971. Foto: Arquivo fotográfico do Museu Helinä Rautavaara Licenciada sob CC BY-NC-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
O material das duas viagens de Rautavaara ao Brasil é extenso. As coleções de material fotográfico original do Museu Helinä Rautavaara incluem aproximadamente 400 negativos em preto e branco, dos anos sessenta, e mais de 5 mil diapositivos a cores, dos anos sessenta e setenta. As coleções incluem também aproximadamente 17 horas de película de tela estreita, dos anos 70, e 70 peças de gravações em fita magnética, tanto dos anos 60 como dos anos 70. Há também muita documentação escrita, desenhos de observação de Rautavaara e outros materiais em papel. Esta grande variação de materiais e formatos lança desafios, porém faz com que seja altamente interessante e rico em conteúdo. (Hirvonen-Nurmi & Jansson, 2012)

Alguns conteúdos do nosso Arquivo:

  • As viagens de Rautavaara listadas
  • Material de campo das duas viagens:

1. viagem: 2/1963-4/1964, Rio, Salvador da Bahia, Cachoeira, Recife

Fotografias: negativos em preto e branco (digitalizados)
Slides (digitalizados)
Áudios (parcialmente digitalizados)

2. viagem: 12/1969-3/1971, Rio, São Paulo, Salvador, Recife

Fotografias: slides coloridos (parcialmente digitalizados)
Áudios (parcialmente digitalizados)
Filmagens (pouco digitalizados)
Notas de campo, transcrições, desenhos

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Berimbau pintado por Mestre Waldemar, caxixi e bagueta (HRE 436 a-c). Foto: Ulla Paakkunainen

Para além do material do arquivo audiovisual, a coleção inclui artefatos relacionados às religiões brasileiras como a umbanda e o candomblé, objetos relacionados à história e às práticas atuais da capoeira, e uma pequena coleção de artefatos dos povos das primeiras nações amazônicas. A maioria dos objetos e algumas das fotografias podem ser estudados online no FINNA (The Finnish Museum Online).
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A cooperação do Museu com as partes interessadas das coleções

Comunidade, participação, pluralismo, reciprocidade e atualidade são os valores centrais do Museu Helinä Rautavaara. A participação é central em todas as atividades. Para um museu etnográfico, participação também significa consciência das ligações entre as instituições museológicas e o colonialismo e os desequilíbrios de poder. O Museu Helinä Rautavaara envolve ativamente os membros da comunidade criadora – as pessoas que são os verdadeiros detentores das coleções. Elas dão ao Museu uma melhor compreensão dos materiais das suas coleções e da sua relevância no mundo contemporâneo.
A roda do Mestre Joāo Grande no saguão do Centro de Exposições Weegee, 2007. Foto: Katri Hirvonen-Nurmi.
A roda do Mestre Joāo Grande no saguão do Centro de Exposições Weegee, 2007. Foto: Katri Hirvonen-Nurmi.

Nas últimas décadas, o Museu tem acolhido não só pesquisadores da área, mas também vários velhos mestres da capoeira, que o visitaram com os seus seguidores. Estudaram as fotografias de arquivo de Rautavaara, ouviram as gravações de seus programas de rádio, leram as transcrições das suas entrevistas com capoeiristas brasileiros, e assistiram aos seus clipes de filmes documentários. Mestre João Grande, Mestre Cobra Mansa, Mestre Jorge Satélite, Mestre Samara e Mestre Garrincha, entre muitos outros, deram ao Museu explicações, correções, interpretações, e opiniões sobre os materiais e performances nas instalações do Museu.

Nas fotos: Roda do Mestre Cobra Mansa na festa de inauguração do Museu Helinä Rautavaara, em 24 de março de 2017. Organizada pela FICA da Finlândia.

Também presentes: Contramestre Toca Feliciano, Mestre Garrincha, Mestre Samara e Professor Matthias Röhrig Assunção.

Esta roda contou com aproximadamente 70 capoeiristas vindos de muito lugares ao redor do mundo. Ao menos da Inglaterra, Brasil, Colômbia, Alemanha, Suécia, Rússia… Foto: Kristina Tohmo.
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Mais materiais vão sendo pouco a pouco digitalizados, o que torna mais fácil apresentá-los aos visitantes e ainda mais fácil estudá-los em bancos de dados da Internet no futuro. Discutir propostas de campos de dados relevantes nos materiais relacionados à capoeira catalogados no Museu, permite seu melhor uso possível por uma comunidade de usuários diversificada. Este material deve permitir traçar a genealogia das diferentes cores, ritmos e composições dos objetos, da música e dos gestos vistos ou ouvidos, visíveis ou audíveis, nas coleções deste museu e de outros museus. Em um certo ponto, no entanto, a voz autoritária dos museus deve se acalmar e um convite para comentários dos praticantes contemporâneos precisa ser ouvido. (Hirvonen-Nurmi 2010)

A equipe do Museu também documenta ativamente as tradições culturais vivas nos vários projetos do museu. Como parte de sua colaboração com participantes de origem brasileira, o Museu acolhe rodas de capoeira nos seus espaços expositivos. Através de uma vasta gama de projetos de colaboração, o museu visa promover o bem-estar, reduzir a exclusão e fomentar a paz na sociedade. O museu visa apoiar a cultura sustentável e construir uma Finlândia culturalmente diversa e um mundo socialmente justo.

Kristina Tohmo
Mestre em Antropologia Cultural
Produtora do Museu Helinä Rautavaara

Maiores informações e links para nossoas coleções:

Fontes:

Hirvonen-Nurmi, Katri & Jansson, Jonina 2012. From object-based to contemporary documentation – How to incorporate fieldwork material in ethnographic museum´s collections and exhibitions. Apresentado em CIDOC 2012 – Enriching Cultural Heritage – conferência, Helsinque, 10-14.6.2012.

Hirvonen-Nurmi, Katri 2010. Multiple levels of information around an event of production. Apresentado em CIDOC 2010, ICOM Conferência Geral de Xangai, China 2010-11-08 – 11-10

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