Por Matthias Röhrig Assunção.
A Praia da Piaçaba
Pelas águas da Baía da Guanabara chegaram indígenas, invasores, colonizadores e centenas de milhares de africanos escravizados. Nos primeiros séculos da colonização, muitos escravos eram desembarcados perto do então chamado Largo do Paço. Segundo alguns cronistas, a capoeira carioca teria nascido ali, na antiga praia da Piaçaba, entre os negros de ganho, pescadores, mariscadores, peixeiros e carregadores.
O terreno em frente à praia foi ocupado pelos carmelitas e virou o Terreiro do Convento do Carmo. Os monges segundo o cronista Vivaldo Coaracy, tinham a fama de serem “turbulentos, desordeiros, e indisciplinados”. Sempre provocavam a intervenção das autoridades, por exemplo, quando não permitiam passagem de préstitos fúnebres pela frente do Convento e mandavam seus escravos armados de cacetes dissolver os cortejos a pau.
A capital do Brasil Colônia
O Vice-Rei certa vez reclamou da algazarra vinda da Quitanda, mas as pretas minas tinham o alvará da Câmara e ficaram. Em outras palavras, os grupos populares tentavam defender seu espaço no centro da cidade e, ali, o espaço de sociabilidade mais denso foi o Paço.
Mestre Valentim, filho de uma negra crioula e de um fidalgo português, foi o responsável pelo projeto do Chafariz, inaugurado em 1770, que abastecia os navios com a água encanada do rio Carioca. A construção, naquela época situada logo ao lado do cais, como aparece em muitas pinturas, hoje fica na parte central do largo.
O pelourinho, outro monumento emblemático de poder e justiça senhorial, erguido no meio da praça na época colonial, não existe mais hoje. Com a chegada da Corte, o Paço virou residência oficial da realeza e sede do governo. Mas o rei, e depois dele os imperadores do Brasil, preferiram morar na Quinta da Boa Vista, mais sossegada.
O Largo do Paço de fato constituía um espaço de sociabilidade importante para todos os moradores e foi retratado por viajantes e cronistas. A gravura de Friedrich Salathé (1834), baseada em aquarela de seu amigo Johann Jacob Steinmann, retrata vários grupos sociais ocupando o Paço, entre eles, dois moleques engajados num jogo acrobático que lembra alguma coisa da movimentação da capoeira.
Para saber mais:
Vivaldo Coaracy. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. Belo Horizonte e São Paulo: Itatiaia e EdUSP, 1988.
Antonio Colchete Filho. Praça XV. Projetos do espaço público. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2008.
De los Rios Filho, Alfonso Morales. O Rio de Janeiro Imperial. 2 ed., Rio: Topbooks, 2000 (1 ed. 1946).