Mestre Sinhozinho

Agenor Moreira Sampaio (Sinhozinho) nasceu em 1891. Foi um dos oito filhos de Anna Isolina Moreira Sampaio com o Tenente-coronel José Moreira de Sampaio, chefe político e Intendente da cidade de Santos.

Marcelo Backes Navarro Stotz (Mestre K.B.Lera)

Agenor Sampaio Sinhozinho Page 0001

Autodidata no estudo da Educação Física, destacou-se em várias modalidades esportivas dos anos 10 aos 50 do século XX, formando campeões em halterofilismo, salto, remo, boxe, futebol e outros esportes. Em entrevista ao periódico Diário de Notícias (em “Clube Nacional de Gymnastica: Uma grande Promessa”, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1931), Agenor Sampaio é apresentado como “o grande animador da mocidade brasileira esportiva” e fala sobre sua carreira:

Comecei a minha vida sportiva – disse o Sinhôzinho, preliminarmente – em 1904, no Club Esperia de S. Paulo; como socio-alumno. […]com a vinda de Edú Chaves da Europa, novos ensinamentos nos foram ministrados, dos quaes a luta greco-romana, box francez (savata) e a gymnastica em apparelhos foram os mais importantes. […] Em 1907, ingressei no Club Força e Coragem, que obedecia à direcção do professor Pedro Pucceti. […] obtive os meus primeiros sucessos nesta luta e tive occasião de vencer o torneio da minha categoria. […] Em 1908, mudei-me para esta capital, de onde jamais me afastei”.

Entre muitas atuações, foi um dos fundadores do Centro de Cultura Physica Enéas Campello, na Rua das Marrecas, e ainda treinador no Helênico Atlético Clube (1924), no América Futebol Clube (1926), no Clube de Regatas Boqueirão do Passeio (1926), no Clube de Regatas do Flamengo (1934) e no Fluminense Football Club (1936), ministrando aulas de ginástica, lutas, atletismo e futebol. Também treinador, técnico, massagista, preparador físico, foi vencedor de diversos campeonatos de pesos e halteres e de disputas de queda-de-braço. Sinhozinho conhecia vários estilos de luta, tendo sido árbitro de muitos combates.

Na Cidade Maravilhosa manteve academias e centros de treinamento em diferentes espaços, notadamente em terrenos baldios. O quintal de sua casa na Rua Redentor foi a primeira academia de ginástica de Ipanema. No terreno contíguo a seu apartamento na Rua Almirante Saddock de Sá, 270, também em Ipanema, funcionou o conhecido Clube do Sinhozinho, onde se praticava levantamento de peso, ginástica em aparelhos, boxe, luta livre etc. Também atuou na Barreira do América, próximo ao América F.C.; na esquina da Rua Raul Redfern com a praia; ao lado do Colégio São Paulo, na Vieira Souto; na Visconde de Pirajá, ao lado do Bar Progresso; na Barão da Torre, em frente ao Colégio Notre Dame; e, por fim, na Rua Alberto de Campos.

Ao chegar no Rio de Janeiro, Sinhozinho teria morado próximo à casa de Zeca Floriano, filho de Floriano Peixoto e lutador da época, treinando por alguns anos com o exímio capoeirista e artista marcial de várias lutas de ringue (Silva e Corrêa, 2020). Logo se tornou conhecido nas rodas esportivas e boêmias da cidade ao lado de Bororó, Antenor da Praia, Lincoln, Zenha, Silvio Pessoa, Beijoca, Elite, entre outros. Após assistir a célebre luta ocorrida no Pavilhão Internacional, no dia 1º de maio de 1909, em que o capoeira Cyriaco venceu o japonês Sada Miyako, Sinhozinho buscou conhecer a capoeiragem carioca, provavelmente no morro de Santo Antônio, mas também no convívio com boêmios, malandros da Lapa e trabalhadores da zona portuária.

A amizade com o sportsman Jayme Martins Ferreira, lutador da capoeiragem (e posteriormente personagem importante na implantação do “estilo baiano” em terras cariocas), sugere que Sinhozinho teve contato com o projeto da luta nacional, defendido na capital federal daquela época por vários intelectuais, militares e políticos. Em 1916, Mário Aleixo, conhecedor do método de capoeiragem sistematizado por Raphael Lothus, o convida a ensinar luta greco-romana na recém-inaugurada academia de ginástica da União dos Empregados do Comércio, no centro do Rio de Janeiro. No mesmo ano, Agenor Sampaio passa a frequentar o Clube Ginástico Português, onde sagrou-se campeão de halterofilismo por vários anos.

Em 1920, Mário Aleixo e o jornalista Raul Pederneiras abrem uma academia de capoeiragem em uma das salas daquele clube. Agenor Sampaio integra o grupo que faz apresentações de ginástica brasileira (capoeiragem), como a descrita no periódico O Jornal (13/03/1920): “Do programa esportivo da festa fazem parte ainda os números dirigidos pelos professores Mário Aleixo, Gustavo Senna e Agenor Sampaio, fadados a alcançar êxito completo. Defesa pessoal e ataque – professor Mário Aleixo versus Ernesto Goétte. Boxe – Waldemiro x Rubens, dirigido pelo campeão Gustavo Senna. Ginastica Brasileira (Capoeiragem) – professor Agenor Sampaio x Lincoln Coimbra”.

Em 1930, Agenor Sampaio criou o Clube Nacional de Gymnastica, instalado à Rua do Rosário, 133, 2º andar. As aulas eram gratuitas para uma turma de alunos particulares que aprendiam um estilo próprio de capoeiragem, desprovido de acompanhamento musical e voltado especificamente para a luta, diferente dos que se conhecia até então. No ano seguinte, a derrota do projeto da capo-jitsu de Mário Aleixo, assim como a de outros capoeiristas frente a lutadores de jiu-jitsu nos ringues — quando eram obrigados a trajarem quimono, pode ter contribuído para a construção da sua versão de capoeira, que procurava se aproximar do gestual de guerra das antigas maltas do Rio de Janeiro, além de incorporar técnicas de outras lutas, como a luta greco-romana e savate.

A indumentária foi padronizada com shorts e um tipo de tênis acolchoado e macio, com um revestimento semelhante à luva de boxe, para amortecer os golpes. Os atletas praticavam sobre tatame, evitando ferimentos e possibilitando a aplicação com maior vigor das técnicas da capoeira. A ginga foi adaptada ao trabalho de pernas do boxe e foram mantidos o uso e o treinamento com a sardinha ou Santo Cristo (navalha) e a Petrópolis (bengala), bem como a roda de pernada carioca, essa última sem música, apenas com golpes traumáticos e desequilibrantes. Sinhozinho se utilizava de artifícios, aparelhos e equipamentos de proteção para o treino das modalidades esportivas que ensinava. Esse diferencial, somado ao prestígio social na prática e ensino de outras modalidades esportivas, atraiu a atenção da juventude da alta sociedade, o que facilitou a inserção da capoeira no meio esportivo carioca.

Personagem de várias histórias, que iam desde o assassínio de um agressor até matar com as mãos um jumento recém-atropelado, Sinhozinho foi uma figura contumaz nas matérias do jornal Diário de Notícias, não só nas notas esportivas, mas também nas colunas como a “Homeopathia Humorística” e “O que se dizia hontem”, que comentavam fatos pitorescos do Rio de Janeiro. Na edição de quarta-feira, 23 de setembro de 1931, sob o título “A Ressurreição da Capoeira”, o periódico anunciava:

Diário de Notícias patrocinará o interessante torneio entre os alunos do técnico Agenor Sampaio (Sinhozinho). O grande e justificado interesse que há em torno da capoeiragem está ressurgindo com vigor, graças principalmente a propaganda da Imprensa, notadamente do Diário de Notícias, e a actividade de Agenor Sampaio (Sinhozinho)”…

O destaque dessa primeira geração foi Andre Jansen, goleiro do Botafogo, campeão carioca de capoeiragem, considerado pela imprensa carioca da época o melhor capoeira do Brasil. Jansen visitou vários estados demonstrando sua eficácia como lutador. No dia 30 de outubro de 1935, no Parque Boa Vista, em Salvador, no Estado da Bahia, enfrentou Ricardo Nibbon, aluno de George Gracie, campeão carioca de jiu-jitsu e de catch-as-catch can. Neste evento, Mestre Bimba e seus alunos fizeram uma demonstração da luta regional baiana. Na última geração de lutadores de capoeira treinados por Sinhozinho destacou-se Rudolf de Otero Hermanny, o Urso, educador físico, campeão brasileiro e pan-americano de judô por equipe, professor da UFRJ e preparador físico da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de Futebol de 1966.

Diário De Notícias 1932 Sinhozinho
Em 15/04/1932, Sinhozinho mais uma vez no Diário de Notícias. Fonte: Biblioteca Nacional.

Sinhozinho defendia a oficialização esportiva da capoeira como luta brasileira, defesa pessoal, ginástica nacional, destacando os seus aspectos de luta, esporte e ginástica. No entanto, ao ter seu nome envolvido numa confusão durante um baile carnavalesco em Copacabana, Sinhozinho declarou ao jornal Diário da Noite, de 21 de janeiro de 1949: “na minha academia não existem aulas de capoeiragem, modalidade de esporte que nunca pratiquei. Ensino apenas luta livre, levantamento de pesos como facilmente poderá ser verificado”.

Paradoxalmente, no dia 1º de abril de 1949, o jornal A Noite traz a notícia da “Luta-desafio de capoeiragem – Sinhozinho do Distrito Federal contra mestre Bimba da Bahia”, relatando que Sinhozinho, ao saber que “os capoeiras da Bahia presentemente no Rio, se apresentavam como os maiores do país logo contestou a afirmação, pois ele também se considera um grande capoeirista e conta com alunos de extraordinária habilidade”. De fato, seus pupilos Rudolf Hermanny e Luiz Pereira de Aguiar (Luiz Ciranda ou Cirandinha), “campeão brasileiro de capoeira” e levantamento de peso, foram vitoriosos no desafio sobre Perez e Jurandir, representantes da capoeira regional. O evento de lutas foi organizado pela Federação Metropolitana de Pugilismo e realizado em dois dias no Estádio Carioca, na Avenida Passos, Centro do Rio.

A mesma dupla representou Sinhozinho em 1953, no desafio feito à família Gracie, durante evento beneficente no estádio Vasco de Gama. No dia 17 de março. Hermanny e Cirandinha, treinados também pelo judoca Augusto Cordeiro, enfrentaram Guanair Gial Gomes e Carlson Gracie. No primeiro combate Hermanny se mostrou superior mas, depois de uma hora e dez minutos, a luta foi interrompida e declarado o empate. Na segunda luta, Cirandinha dominou os primeiros momentos, mas se cansou rapidamente e, ao sofrer uma chave de braço, o seu corner jogou a toalha, consagrando Carlson vencedor. Em junho do mesmo ano, Artur Emídio de Oliveira, capoeirista baiano e lutador de vale tudo, desafia a escola de Sinhozinho sob as regras de Burlamaqui, incluindo luta de chão. Sob os olhares de Carlos e Hélio Gracie na plateia, Hermanny vence Emidio no segundo assalto.

A par da vida esportista, Agenor Sampaio participou como instrutor da primeira turma da Polícia Especial criada por Getúlio Vargas. A partir de 1935 serviu como policial e mestre de educação física na Polícia de Vigilância, até se aposentar como Oficial de Vigilância. Sinhozinho faleceu em 1962 em Ipanema, onde foi homenageado com um busto. Seu nome foi dado também a uma rua na Ilha do Governador.

E se despediu o veterano athleta brasileiro que, não fora a sua modestia e o seu desinteresse pelas glorias que o sport outorga, seria hoje um nome de reputação mundial, tamanho o carinho e o capriccho com que elle se dedicou desde a sua primeira mocidade, à pratica dos mais diversos ramos do sport. (Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1931).

Sinhozinho teve destacada participação em diversas modalidades desportivas, notadamente nas lutas. Ele obteve maior notoriedade que outros contemporâneos que também atuaram na capoeira e na luta livre, possivelmente devido a seu papel como educador, preparador físico e técnico de diversos atletas de renome. Mas ainda há muito o que se descobrir sobre sua capoeira voltada exclusivamente para o combate. Fica aqui o desafio a(o)s investigantes.

Durante sua longa carreira, atuando em diversos esportes, Sinhozinho teve como alunos:

Paulo Azeredo, considerado o atleta mais completo de seu tempo, vitorioso em mais de 28 modalidades (inclusive luta); Paulo Amaral, preparador físico da Seleção Brasileira; Silvio M. Padilha, o sexto corredor do mundo na prova de obstáculos e presidente do Comitê Olímpico Brasileiro; Inezil Penna Marinho (intelectual da Educação Física no Brasil); Tom Jobim (músico); Eloy Dutra (ex-governador do Estado da Guanabara); Augusto Cordeiro (mestre de judô e um dos grandes responsáveis pela organização da modalidade no Rio de Janeiro); Hugo Melo (campeão de judô e luta livre); Orlando Américo da Silva, o Dudu (campeão brasileiro de luta livre); Tromposki, Luiz Felipe Mendonça – “carregador de piano”; Mário Pedregulho, Bruno Hermanny, Roberto William (professor da Escola Nacional de Educação Física); Carlos Madeira, Darke de Mattos, Telmo Maia, Comandante Max, Paulo Lefevre, Bube Assinger, Wanderley Fernandes (Paraquedas), José Alves (Pernambuco), Carlos Pimentel, Lucas e Haroldo Cunha, Manoel Simões Lopes, Flávio Maranhão, Carlos Alberto Monteiro Rego (o popular Copacabana), Joaquim Gomes (Kim), os irmãos Machado, Alberto Silva, Eurico Fernandes, Manoel Fernandes (campeão português de luta livre olímpica e luta greco-romana); Carlos Alberto Pettezzoni Salgado, o Belisquete (o primeiro brasileiro a ensinar a Capoeira de modo esportivo nos Estados Unidos, em 1954); Reinaldo Lima (Broa) e Paulo Paiva, campeões de luta romana; Carlos Cocada; Neyder Alves; Sylvio Redinger, o Redi (cartunista); e André Luiz Lacé Lopes, grande pesquisador da capoeira.

Bibliografia:

Jornais do Rio de Janeiro consultados na Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

LOPES, André Luiz Lacé. A Capoeiragem no Rio de Janeiro, primeiro ensaio – Sinhozinho e Rudolf Hermanny. Rio de Janeiro. Editora Europa, 2002.

_________. A Volta do Mundo da Capoeira. 1ª edição, Rio de Janeiro: Coreográfica Editora e Gráfica, 1999.

LUSSAC, Ricardo Martins Porto (Mestre Teco). Agenor Moreira Sampaio, o Sinhozinho, 1891-1962: uma vida pela capoeira e pelo esporte da cidade do Rio de Janeiro. Caminhos da Educação: diálogos, culturas e diversidades , v. 1, p. 159-162, 2020. Acessível em https://revistas.ufpi.br/index.php/cedsd/article/view/9911

MARINHO, Inezil Penna. Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

SILVA, Elton e Eduardo Corrêa. Muito antes do MMA: O legado dos precursores do Vale Tudo no Brasil e no mundo. Kindle edition, 2020.

Rio de Janeiro

Trabalhos similares

Mestre Zuma

Mestre Silas

Mestre Mário Buscapé