Por Lobisomem (Victor Alvim Itahim Garcia).
Nascido e criado no Rio de Janeiro, só tive contato com a literatura de cordel, cujo berço é a região Nordeste, depois de meus 18 anos. Nessa idade, ao me iniciar na capoeira, aumentei meu interesse por toda a cultura popular brasileira. Nos livros sobre folclore, nos sebos, nas bibliotecas (em especial a do Museu Edison Carneiro) descobri o cordel e tornei-me leitor e comprador de folhetos.
Anos mais tarde, instintivamente escrevi, num caderno, umas sextilhas em homenagem a Mestre Camisa, que estava prestes a completar 50 anos. Nāo tinha a intenção de publicar, mas fui incentivado por J.Victtor e Gonçalo Ferreira da Silva (este último, cordelista, fundador e presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel).
Com uma festa de lançamento na Feira de São Cristóvão, reduto do cordel e da cultura nordestina no Rio, recebi também o apoio de Mestre Azulão, Marabá, Gilberto Teixeira, Erivaldo Ferreira, Miguel Bezerra, Duda Viana, Zé Duda e outros artistas do lugar.
Depois de me aventurar a escrever e publicar este primeiro folheto, foram as histórias de Besouro Mangangá que me inspiraram a continuar e partir para o segundo título. Eu via, nas narrativas que conhecia, similaridades com o que lia nos cordéis sobre Lampião e outros cangaceiros: corpo fechado, embates com policiais, fugas espetaculares e misteriosas, justiçamento contra a covardia de coronéis sobre trabalhadores e outras.
O cabo entāo gritou
– Eu sou a autoridade
E vou prender o senhor
Que tem fama na cidade
Vou mostrar que também sou
um valentão de verdade!Besouro entāo partiu
Para cima do abusado
Aplicou-lhe uma rasteira
e o deixou estatelado
Também tomou o revólver
e o chapéu do coitadoBesouro saiu sorrindo
pelo Beco do Xaréu
O cabo atrás gritando:
Pelo amor de Deus do Céu!
Me devolva meu revólver
e também o meu chapéu!”
Então me empolguei e segui escrevendo e publicando. Manduca da Praia, lendário capoeira do Rio Antigo, foi um dos títulos que se seguiram esta mesma linha:
Manduca avistou os cinco
e preparou o levante
No primeiro a sua frente
Ele deu um galopante
na orelha do sujeito
que caiu no mesmo instanteUm outro veio pra cima
Manduca cambaxirrou
Deu-lhe uma lamparina
e outra vez floreou
O homem caiu na ébia
Com uma banda arriouVieram três de uma vez
E Manduca disse: – Venha!
Comecem logo a fazer
Promessa pra Santa Penha
pra ver se vocês escapam
de cair na minha lenha!”
E logo depois, homenageei, também com um cordel , Nascimento Grande, valentāo pernambucano famoso no Recife:
Mas os policiais viram
onde ele tinha subido
Em cima de um telhado
O avistaram escondido
E gritaram: – Se entregue!
Pois senāo está perdido!La do alto do telhado
De cinco metros de altura
Nascimento se jogou
no teto da viatura
comprovando a sua audácia
neste ato de bravura.E baixou a bengalada
nos quatro policiais
que ficaram abismados
e correram por demais
E com Nascimento Grande
nāo se intrometeram mais.”
Escrever sobre Madame Satã já estava nos meus planos há alguns anos e a parceria com o Matthias e projeto Capoeira History me fez retomar esta vontade e concretizá-la em 2019.
No meu ver, Madame Satã está na mesma linhagem de valentia, bravura, audácia e malandragem que Besouro, Manduca da Praia e Nascimento Grande. Com o diferencial de ter vivido um tempo mais próximo ao nosso presente e de suas histórias, apesar dos exageros, terem sido registradas e documentadas, inclusive os 27 anos que comprovadamente passou preso em cadeias diversas. E parece que mesmo depois de morto, não aposentou-se nas valentias e continua não aturando desaforo:
Conta a lenda que ao morrer
pro inferno foi levado
Que ao adentrar o recinto
O diabo debochado
Olhou pra Satā gritando:
– Lá vem vindo esse veado!Então Madame Satā
no diabo deu rasteira
Galopante de canhota
e um tombo da ladeira
Fez o capeta chorar
pra nāo falar mais besteira.”
Viva Madame Satā, camará!
Lobisomem capoeira é o melhor 👏🏽👏🏿👏🏾👏👏🏻👏🏼