Sandra Eugênia Feitosa nasceu em 1959 e cresceu na favela do morro do Pavãozinho, no final de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.
Matthias Röhrig Assunção (maio de 2020)
A única coisa que conseguimos apurar de sua infância é que cursou o primário na escola São Pedro, do Pavãozinho. Aos oito anos, foi recrutada ali pelas “candocas” do movimento conservador cristão CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia), que buscavam construir apoios nas classes populares, inicialmente para a derrubada do governo Goulart, e depois do golpe, para o sustento do regime militar. Assim, Sandra recebeu do “Banco do Sapato” da CAMDE um par de sapatos fabricados pelo exército por preço simbólico, se comprometendo a “não vendê-los, trocá-los ou jogá-los fora”, para combater as verminoses e “incutir na criança um sentido de responsabilidade”.
Aos dez anos de idade começou a treinar capoeira no grupo do Mestre Roque. Sandrinha dava aulas para o Grupo Bantus de Capoeira, no próprio morro, na década de 1970. Morava em um pequeno quarto, com a mãe e um sobrinho, quando foi visitada pelo mestre de taekwon-do, Woo-Jae Lee, em 1979. O mestre se impressionou com suas habilidades, ao ponto que sua visita resultou numa reportagem para a Revista Dô.
Sandrinha declarou para a revista: “Na época em que comecei a praticar a Capoeira, eu era a única mulher na academia e isso me inibia um pouco. Hoje, ela significa tudo para mim. Esporte, luta, dança folclórica e show.” Sandrinha também falou da “memória muscular” e como o corpo, com a capoeira, pode se tornar “um instrumento de morte”. Nessa época ela já fazia shows no Rio. Começou com o grupo Sabata, na rua do Riachuelo, e participou do espetáculo “Uma noite na Bahia”. Participou também de apresentações em Salvador, na Bahia, com o grupo Filhos de Obá, no Maré Cheia. Conforme a Revista Dô, teria sido graduada também por Mestre Caiçara.
Seu professor, o mestre Roque, orgulhoso de ter ensinado capoeira para ela, nós deu o seguinte depoimento sobre Sandrinha:
Criança, menina, eu sempre tive sorte com menina. Eu formei a primeira Mestre de capoeira do Brasil. Dói eu, tá ali no retrato, ali (mostra a foto na sua academia). A Sandrinha. Ela tava lá também. Era dessa tamanho, loirinha dos olhos azuis, bonita, ela. Ela entrou, e ela tomou conta dos meninos. […] Era agente federal, ela. Tá em Brasília”.
Mestre Lapinha, aluno de Roque que também conheceu Sandrinha, a descreveu assim:
Essa Sandrinha… jogava muito. Ninguém encarava ela, não. Ninguém era ruim de aturar ela. Entendeu? […] Ele [M Roque] adorava. Ele tratava ela como se fosse filha dele. E ele incorporou a capoeira nessa mulher. Tanto é que ela é guarda civil. E ela dava instruções na guarda civil. As pessoas conheciam ela, sabiam que ela era boa de bater, defesa pessoal, essa Sandrinha. A capoeira ajudou muito ela, na profissão dela, que ela sempre foi guarda civil, essa Sandrinha. Mas era um cão. Ela jogava muito. Entendeu? Era muito boa de capoeira. Era muito difícil ver alguém pegar ela. Era tipo uma mulher que tinha na Bahia. Esqueci o nome… [Maria] Doze Homens”.
É que chegando à idade adulta, Sandra cursou a Escola de Serviço Público no Rio de Janeiro e foi aprovada, em 1977, para a função de agente penitenciário. Trabalhava no Presídio Frei Caneca, no Centro do Rio, até se mudar, segundo depoimentos de outros mestres, para Brasília, em data desconhecida, e continuar sua carreira por lá. Em 1991, foi promovida a Agente de Segurança Penitenciária “Classe C”, por antiguidade e por merecimento.
Com a sua ida para Brasília, a capoeira carioca perdeu sua primeira mestra. Também não temos mais notícia dela. Se alguém puder dar mais informações ou tiver o contato dela, por favor, entre em contato com o capoeirahistory.com. Achamos muito importante resgatar a história da primeira mestra de capoeira do Rio de Janeiro!
Fontes:
Jornais da Hemeroteca Digital da BN, pesquisa de Juliana Pereira.
Entrevista com Mestre Roque, 2016 (com Mestres Cobra Mansa, Penninha e Cosme).
Entrevista com Mestre Lapinha (Djalma Antônio Souza Nascimento), 2019.
“Mestra Sandrinha. A mulher na roda de capoeira”. Dô. Revista de Artes Marciais, no. 10 (1979), p. 22-25. Agradecemos ao Mestre Paulão Kikongo e o grupo Almanaque CapoeiraGens o compartilhamento do artigo dessa revista.