Mestre Travassos

Antes de conhecer a capoeira Mestre Travassos conheceu o samba duro, o samba de pernada, que impressionou bastante o então adolescente Victor.

Jorge Columá, Jaqueline Ribeiro e Rômulo Reis

Tradições, cultura oral e capoeira

Todos os amantes da capoeira já devem ter ouvido falar sobre respeito aos mestres, ancestralidade e tradições que acompanham nossa arte. A principal via de comunicação entre as tradições dos mais antigos e os novos praticantes é a cultura oral, que transmite ensinamentos e mostra diversificadas formas de fazer, ser e entender a capoeira, porque traduz aquilo que não se ensina diretamente – mas se aprende. A cultura oral depende necessariamente da memória, vivência, experiência e sentimento, transmitidos a cada nova geração. Convidamos os leitores a conhecerem a história de Mestre Travassos, o precursor do ensino da capoeira nos municípios de Niterói e São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro.

Nascido na Cidade Alta, Salvador, Bahia, em 07 de setembro de 1942, Mestre Travassos é um dos muitos nordestinos que migraram para a região sudeste em busca de novas oportunidades. Sua família chegou ao Rio de Janeiro por volta de 1945, onde o menino Victor Widawski teve uma infância pobre e modesta.

Foi no bairro do Flamengo que Travassos deu os primeiros passos na capoeiragem com um rapaz conhecido como Baianinho. Tempos depois, em 1960, passa a treinar com o capoeira Antônio Nascimento de Morais, que tinha sido aluno de Mestre Pastinha.

Ainda na sua mocidade, Mestre Travassos frequentou a Escola de Samba São Clemente, em Botafogo, onde participou do auge da combinação entre samba e capoeira. O mestre era o responsável por uma ala exclusiva para o samba duro, modalidade em que dois sambistas, que também eram capoeiras, se enfrentavam em um duelo de samba, palmas, improvisos, rasteiras e pernadas.

Como, naquela época, a profissionalização, ou apenas sobreviver financeiramente da capoeira, era algo distante da realidade, Mestre Travassos seguiu outros caminhos que o levaram a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ. Com o ingresso na corporação, mudou-se para a vizinha cidade de Niterói e novos horizontes se abriram, inclusive, com a oportunidade de ministrar aulas de capoeira em seu Batalhão. Assim, o mestre passou a dedicar-se às aulas na polícia e também em outros dois locais, em Niterói e em São Gonçalo.

Nos anos de 1970, a capoeira experimentava um processo de institucionalização e chegava às universidades, tendo como palco de suas transformações as discussões em caracterizá-la como luta e desporto. Desse modo, como luta brasileira, a capoeira estava vinculada à Confederação Brasileira de Pugilismo – CBP, à qual era afiliada a Federação de Pugilismo do Estado do Rio de Janeiro – FPERJ, instituição em que Mestre Travassos oficializou sua titulação de Mestre. Na FPERJ, Mestre Travassos foi Assessor de Capoeira da direção e dirigente, além de árbitro em competições estaduais e nacionais de capoeira.

Mestre Travassos
Foto de Mestre Travassos, do Acervo Jorge Columá.
Pequenos Mestres

Em paralelo, Travassos escrevia sua própria história com a capoeira ministrando aulas, formando discípulos, organizando e participando de eventos como simpósios, palestras, batizados, shows e rodas de conversa. No final dos anos de 1970, funda a Associação de Capoeira Pequenos Mestres, onde priorizou sua técnica e seu estilo próprios, diferente da capoeira angola e também da capoeira regional. Com o trabalho na Associação Pequenos Mestres, existente até hoje, Mestre Travassos formou gerações de mestres, tais como Chita (in memorian), Bocka, Bailarino, Jacaré, Casquinha, Santana e Ricardo Feijão.

Nos anos de 1980, Mestre Travassos junto aos Mestres Bocka, Martins e Bogado, fundou a Federação de Capoeira do Estado do Rio de Janeiro – FCERJ. Na década de 1990, participou ativamente da fundação da Federação de Capoeira Desportiva do Estado do Rio de Janeiro – FDCRJ. Em 1998, após militar pela capoeira ativamente por mais de 30 anos, Mestre Travassos recebeu a máxima graduação de mestre, o cordel branco.

Liga Niteroiense De Capoeira
Atualmente, o Mestre Travassos, com 78 anos, mesmo não lecionando mais capoeira, é uma figura ativa em eventos, sempre que convidado. Seu pioneirismo e mérito por muitas conquistas para a capoeira são reconhecidos e seu trabalho segue vivo através de seus discípulos.

Jorge Felipe Columá é Dr. em Educação Física e Cultura.

Jaqueline Ribeiro é profissional de Educação Física.

Rômulo Reis é Dr. em Ciências do Exercício e Esporte.

Este texto foi publicado pela primeira vez na Revista Muzenza Grupo de Capoeira, nº 9, de março de 2021, com o título “Mestre Travassos, o pioneiro nas cidades de Niterói e São Gonçalo”.

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