Por Matthias Röhrig Assunção.
A capoeira, como sabemos, foi banida das ruas do Rio de Janeiro no início da Primeira República, na década de 1890, o que resultou em prisões e deportações massivas, e somente reapareceu em locais fechados – academias – a partir da década de 1930. A prática espontânea da capoeira nas ruas permaneceu proibida e somente foi autorizada a partir dos anos 1980.
O nosso projeto segue o desenvolvimento dos estilos contemporâneos no Rio no período 1948-82. Essa “Capoeira Contemporânea” é documentada em artigos de jornais, milhares de fotos e alguns vídeos. No entanto, nenhum registro ou foto documenta a roda de capoeira que acontecia até 1981, durante os quatro dias e noites do carnaval, 24 horas sem parar, bem ali, entre o glamuroso desfile oficial das escolas de samba na Avenida Presidente Vargas e a estação de trens Central do Brasil, que ligava o centro da cidade aos subúrbios.
Por isso, o testemunho de oito mestres mais antigos no filme Roda da Central é particularmente valioso. As memórias desses mestres documentam os tipos de ritmos tocados e o jogo duro, às vezes violento, que aconteciam num contexto incerto de repressão e clientelismo. Eles também lembram das lideranças da roda, como Mestre Mucungê.
Inicialmente trabalhadores negros do porto eram os protagonistas, que foram aos poucos substituídos por uma geração mais nova e diversa, para quem o primeiro jogo na Roda da Central assumia ares de ritual de passagem.
O filme combina a história oral dessa icônica performance anual já extinta, com uma reencenação da roda na Central do século XXI, que contou com a participação de capoeiras mais antigos como Mário Buscapé, que, do alto de seus 85 anos revive a Roda da Central sessenta anos depois. Também aproveitamos algumas cenas da roda de Carnaval de Mestre Ephrain, que luta pela manutenção dessa tradição. Isso mostra que a história oral pode reequilibrar a narrativa da história da capoeira, por vezes demasiado focada na história oficial de sua institucionalização como esporte.