Mestre Camisa

José Tadeu Carneiro Cardoso nasceu em 1955, perto de Jacobina, em Itapeipu, no sertão da Bahia, região que ele reconheceria mais tarde como um “caldeirão de culturas”. Começou cedo na capoeira, com Camisa Roxa, o irmão mais velho.

Lívia Pasqua e Renata Daflon.

Foi esse mesmo irmão que mais tarde, com 12 ou 13 anos, o levaria pra treinar com Mestre Bimba, já em Salvador. Ainda na capital baiana, seu talento na capoeira abriu-lhe as portas do Grupo Olodumaré, que promovia espetáculos folclóricos de culturas populares baianas, tendo a capoeira como atração principal.

Foi numa turnê do Grupo Olodumaré, em fins de 1972, que Camisinha (como também era chamado inicialmente, para distingui-lo de seu irmão Camisa Roxa) chegou ao Rio de Janeiro. Estreou em grande estilo, com temporadas em casas de espetáculo e apresentações pelo interior do estado. Mas os ventos mudaram. Impedido de seguir viagem com a companhia para a Europa, por ainda ser menor de idade, Camisa desiste de retornar à Bahia. Ele reavalia os laços perdidos com a terra natal – falecimento dos pais, ausência de Mestre Bimba e ida do irmão para a Europa – e decide tentar a vida no Rio de Janeiro, onde, por essa época, já “rodava as capoeiras todas”.

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Mestre Camisa, durante a entrevista que concedeu ao CapoeiraHistory, em 2018.

No Rio, Mestre Camisa teceu sua rede profissional. Apesar de “todo o tipo de dificuldade” encontrado para sobreviver na cidade, ele combinou sua atuação no mundo dos shows com a participação nas rodas de final de semana dos vários grupos cariocas, sempre baseado nos conhecimentos aprendidos com os mestres baianos.

Em 1984 organizou um grande evento no Circo Voador no Arpoador, que contou com a participação de muitos mestres baianos da velha guarda, assim como de capoeiristas do Brasil inteiro. De fato, esse evento contribuiu muito para a disseminação da capoeira pelo Brasil e para a interação entre os professores e mestres de outros estados.

Ingressou no Grupo Senzala, tornando-se um dos mestres do grupo. Suas aulas na Associação dos Servidores Civis, ao lado do Canecão, atraíam muitos alunos. Em 1984 organizou um grande evento no Circo Voador, no Arpoador, que contou com a participação de diversos mestres baianos da Velha Guarda, assim como de capoeiristas do Brasil inteiro. De fato, esse evento contribuiu bastante para a disseminação da capoeira pelo Brasil e a interação entre os professores e mestres de outros estados.

Em 1988, saiu do Senzala, e, alguns anos mais tarde, fundou a Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte-Capoeira (Abadá-Capoeira). O Abadá é hoje um dos maiores grupos de capoeira no Brasil e no mundo, com centenas de núcleos espalhados por muitos países.

Nas fotos, os mestres Moraes e Camisa no jogo. O evento foi o Rio World Samba Capoeira Meet, em 1984, que aconteceu no Circo Voador, Lapa, Rio de Janeiro. Fotos do acervo André Lacé.

E tem o samba!

Como era comum entre capoeiristas na década de 1970, Mestre Camisa, também fez sua incursão no universo do samba no Rio de Janeiro. Ele, que já trazia a vivência do samba do Recôncavo Baiano e das escolas de samba de Salvador, morou na Mangueira por mais de dez anos, convivendo com sambistas, compondo e desfilando na escola: “Aí, quando eu cheguei no Rio, vi o samba de escola, de partido alto, esses vários tipos de samba. Então é ali que eu fui me aprofundando no universo de samba. Componho samba, tenho vários sambas”. No entanto, isso foi no tempo em que o enredo, segundo ele, “pedia” a evolução dos capoeiristas, depois disso, “o samba se afastou da capoeira”.

Mestre Camisa carrega consigo suas influências nordestinas, com poesias, cordéis e ditos populares, na busca da valorização e preservação dessa manifestação cultural, firmando seu compromisso de salvaguarda deste bem cultural imaterial do mundo por meio de sua prática, escrevivência e ensinamento de modo poético e lúdico (Mestre Camisa, 2015 e 2016; Trindade, 2017), além de fomentar novos entendimentos e expressões sobre os campos de atuação da capoeira, a exemplo da sua contribuição com os novos toques de berimbau e jogos (Trindade, 2022) e para a colaboração de um entendimento de floreio na capoeira (Pasqua, 2022).

Capoeira e pandemia

Durante a pandemia, a escola ABADÁ-Capoeira passou por desafios, transformações e adaptações tecnológicas, que induziram à reflexão do mestre sobre seu modo próprio de interpretar e ensinar essa arte. Assim sendo, nesse período, Mestre Camisa decide formalizar o seu estilo – Capoeira Abadá (com influências da Capoeira de rua, Capoeira Regional e Capoeira Angola).

Durante o período pandêmico, o mestre criou novos toques de berimbau, além do característico Benguela (já existente): São Bento da Abadá, Jogo Cruzado, Capopasso, Capoxadama, Gingalopante, Jogo do Pau, Silvestre e Siriúna, por exemplo, que por sua vez influenciaram a forma e a característica de se jogar capoeira na escola Abadá-Capoeira. Da mesma forma, foram revisitados os rituais, como o toque No pé do berimbau, que dita o momento de ir ao pé do berimbau no jogo, assim como os rituais de batizado e troca de cordas.

Você pode aprender muito mais sobre a trajetória de Mestre Camisa no Rio de Janeiro assistindo o vídeo documentário "Entrevista com Mestre Camisa".

Entrevista concedida ao Mestre Cobra Mansa e a Matthias Assunção em 10 de setembro de 2018.

Entrevista (2)

Entrevista publicada na Revista EntreRios, da Universidade Federal do Piauí

Leia trechos da conversa com Mestre Cobra Mansa e Dr. Matthias Röhrig Assunção, do CapoeiraHistory.com.

Lívia Pasqua (a direita) é Doutora em Educação Física pela UNICAMP; professora da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ; coordenadora do Laboratório Capoeira da UFRJ; membro do Laboratório de Pesquisas e Experiências em Ginástica da UNICAMP. Atua também com performances artísticas; além de ser coordenadora do coletivo de artistas Caleidoscópio Brasil e instrutora de Capoeira do grupo ABADÁ-Capoeira, desde 2000.

Renata Daflon é formada em Letras e é coordenadora adjunta do website capoeirahistory.com

Referências

CARVALHO, Paulo César Valadares (Mestre Paulinho Velho). Escola Abadá-Capoeira: filosofia e método. In: MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara; BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE:UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2020. V AbadÁcadêmico Capoeira, tecnologia e tradição: diálogos contemporâneos. Petrolina: UNIVASF, 2020.

MESTRE CAMISA. José Tadeu Carneiro Cardoso. Entrevista em 28/03/2023. Local: CEMB (Centro Educacional Mestre Bimba).

MESTRE CAMISA. José Tadeu Carneiro Cardoso. Versos, pensamentos, citações, provérbios, ditados, adágios, anexins, aforismos, máximas e ditos populares. Rio de Janeiro: Abadá edições, 2015.

MESTRE CAMISA. José Tadeu Carneiro Cardoso. Jogando com as palavras nas rodas da vida. Rio de Janeiro: Abadá edições, 2016.

MESTRE CAMISA. José Tadeu Carneiro Cardoso. Prefácio. In: Coletânea do VII AbadÁcadêmico – Escola Capoeira Abadá: Encontro Técnico-Científico de Capoeira [recurso eletrônico] / MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara e BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE: UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2022, p. 4.

MESTRE CAMISA, José Tadeu Carneiro Cardoso. Jogos complementares da Capoeira Abadá: inovações para um melhor desenvolvimento do capoeirista. In: Coletânea do VII AbadÁcadêmico – Escola Capoeira Abadá: Encontro Técnico-Científico de Capoeira [recurso eletrônico] / MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara e BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE: UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2022, p. 27 a 34.

PASQUA, Lívia de Paula Machado. A contribuição de Mestre Camisa para uma concepção de floreio na capoeira. In: Coletânea do VII AbadÁcadêmico – Escola Capoeira Abadá: Encontro Técnico-Científico de Capoeira [recurso eletrônico] / MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara e BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE: UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2022, p. 115 a 125.

PASQUA, Lívia de Paula Machado; TOLEDO, Eliana de. Diálogos entre a capoeira e a arte: sobre um corpo polissêmico. Revista de Humanidades e Letras. Ceará, Brasil, vol. 7, nº. 2, p. 77-92, 2021.

SILVA, Valdinei Ribeiro. Mestre Camisa: Mosteiro de Jequitibá após 50 anos. In: SONODA-NUNES, Ricardo João; FREITAS, Jorge Luiz de; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara (orgs.). Anais do IV AbadÁcadêmico: Encontro Técnico-Científico de Capoeira. Curitiba: UFPR, 2019. p. 172.

TRINDADE, Francílio Benício Santos de Moraes. Mestre Camisa joga com as palavras na escrevivência da capoeira. In: MOREIRA, Sergio Rodrigues; SANTOS, Marcos Paulo Alves dos; NUMATA FILHO, Eduardo Seiji (orgs.). Anais do II AbadÁcadêmico: Encontro Técnico-Científico de Capoeira. Petrolina, PE: UNIVASF, 2017

TRINDADE, Francílio Benício Santos de Moraes. Capoeira Abadá, de Mestre Camisa: uma transformação e evolução da abadá-capoeira. In: Coletânea do VII AbadÁcadêmico – Escola Capoeira Abadá: Encontro Técnico-Científico de Capoeira [recurso eletrônico] / MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara e BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE: UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2022, p. 172 a 183.

TRINDADE, Francílio Benício Santos de Moraes e OLIVEIRA, Marcos Vinícius Gomes de. Três Ciclos da ABADÁ-CAPOERA, de Mestre Camisa: memória e identidade de uma escola de capoeira. In: MOREIRA, Sergio Rodrigues; OLIVEIRA, Sérgio Roberto de Lara; BRITO, Andreyson Calixto de (orgs.). – Petrolina, PE:UNIVASF; Fortaleza, CE: IFCE; Curitiba, PR: ABADÁ-Capoeira, 2020. V AbadÁcadêmico Capoeira, tecnologia e tradição: diálogos contemporâneos. Petrolina: UNIVASF, 2020.

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