Por Letícia Vidor de Sousa Reis.
A capoeira piracicabana recente tem como seu principal representante Claudival da Costa, o saudoso Mestre Cosmo, diplomado mestre de capoeira em 1996 por Mestre Miguel Machado, responsável pelo Grupo Cativeiro. Cosmo nasceu em 28 de julho de 1955, em Piracicaba, e faleceu precocemente em 26 de abril de 2004, aos 48 anos de idade, vítima de infarto fulminante.
Metodologia deste artigo e colaboradores
Este artigo foi escrito com base em depoimentos de pessoas que conviveram com M. Cosmo, principalmente no meio da capoeiragem piracicabana, com suas falas e opiniões devidamente identificadas no texto.
Foram apresentadas três perguntas aos entrevistados, a fim de orientar seus depoimentos:
- O que você mais admirava em Mestre Cosmo?
- Ouvi Maria Luísa dizer que ele enfatizava muito a dança em seu jogo. Você concorda com ela?
- Qual o maior legado de Mestre Cosmo para a capoeira de Piracicaba?
Elegância no jogo
Seguramente a elegância é a principal marca destacada no jogo de Mestre Cosmo que, nas palavras de Mestre Zequinha, possuía “uma plástica sem igual”. No entanto, a exibição de harmonia e leveza não deixavam de lado o aspecto da agilidade e da movimentação do jogo. Como lembrado por Antonio Filogênio Jr., a lição de Mestre Cosmo passava pela estética e inteligência do jogo, ou seja, pelo controle dos movimentos que alia a plasticidade da ação ao tempo certo do jogo.
Mestre Djop acrescenta nova dimensão à elegância atribuída a M. Cosmo, quando ressalta “a tomada de posições na roda e a forma polida e educada como tratava os capoeiristas. Poder de decisão dentro e fora da capoeira”. Desta forma, podemos suspeitar o quanto a liderança de Cosmo se estendia além da roda, melhor dizendo, o quanto a “elegância” do seu jogo se estendia às relações interpessoais e era algo que ele fazia questão de promover junto a seus alunos. .
Capoeira como resistência e valorização da negritude
Djop conta que conheceu Cosmo em 1979 e que, nesta época, a sua forma de encarar a capoeira como resistência era uma inovação. Em seu trabalho, Cosmo dedicou-se formar alunos com capacidade crítica acerca do valor negro e indígena presente na capoeira, de maneira que “todos os que passaram pela sua mão, e que ainda estão no meio da capoeira hoje, têm consciência da relevância da valorização da negritude na capoeira”. No mesmo sentido, Cosmo redigiu projetos a serem por ele desenvolvidos junto à Prefeitura de Piracicaba, ampliando sua rede de ação na cultura local.
M. Zequinha também enfatiza a mensagem de “ resistência, a valorização e ainda a consciência de ser quem somos: pretos e capazes de sermos o que quisermos!” nos ensinamentos Cosmo. Igualmente, para M. Mysso, “[um dos principais legados de Cosmo] (…) à capoeira é [o fato de] considerá-la como um instrumento de resistência da raça negra”, e Antonio Filogênio, na mesma linha de pensamento, testemunha: “[Cosmo] considerava a capoeira como este grande patrimônio imaterial da comunidade, da resistência e da cultura que envolve a africanidade em solo brasileiro.”
O Grupo Cativeiro criou, desde a sua fundação em 1978, uma representação social da capoeira, enquanto “expressão de uma raça” (REIS, 1997). Como é possível notar é exatamente tal destaque dos valores da negritude que aparece nas falas de Djop, Zequinha, Mysso e Antonio Filogênio.
Incentivo às oficinas de dança afro
Cosmo era um exímio dançarino e, dentro de seu entendimento de valorização da negritude, prezava principalmente a dança afro. Como a sua atuação sempre esteve permeada pela disseminação do saber, M. Cosmo “sempre incentivou seus alunos a fazer as oficinas de dança afro ofertadas em Piracicaba”, conforme observado por M. Djop. Também Antonio Filogênio lembrou o empenho de Cosmo quanto às oficinas de dança afro: “Quando tinha oficinas de dança afro na cidade, ele sempre nos incentivou a fazê-las, mas sempre lembrando que a capoeira é uma luta”.
Ainda sobre a abertura de Cosmo para outras manifestações artísticas afins à ideia de expressão da africanidade, M. Mysso comenta que:
Mestre Cosmo tinha um grande conhecimento, pois era uma pessoa culta no tocante à capoeira e também apreciava a cultura negra, principalmente a black music. Tudo que acontecia em relação à música, ele acompanhava de primeira mão.”
Cosmo e a capoeira
Maria Luísa relata que Cosmo começou a treinar capoeira no Ginásio, na parte de baixo do campo do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba, com o João, do qual se sabe o sobrenome. Em 1976, passou a treinar com o professor Roberto Alves Pinto, na Academia de Capoeira Oxóssi. Em 1978, ingressou no Cativeiro, na sede de Ribeirão Preto (SP), grupo onde se tornou o aluno mais antigo. Cosmo foi o primeiro mestre a abrir uma academia de capoeira em Piracicaba: a filial do Cativeiro, na Rua Voluntários de Piracicaba, 1223.
Cosmo, que até agora não teve seu trabalho suficientemente reconhecido, é a mais importante referência do Grupo Cativeiro- presidido por Mestre Miguel Machado desde a sua fundação, de inegável importância para a capoeira piracicabana.
Quanto a seu legado, Mestre Cosmo deixou seu testemunho de vivência da capoeira, como exalta Antonio Filogênio:
o maior legado que Cosmo nos deixa é o exemplo de confraternização, diálogo. Ainda que pertencesse ao Cativeiro, nunca deixou de ir a um evento, seja Angola, Regional ou Contemporânea e dizia que a capoeira é o que mais importa”.
Considero que a originalidade de Mestre Cosmo é a grande importância por ele atribuída à elegância do jogo de capoeira, principalmente à dança – ainda que não deixasse de lado seu aspecto marcial – bem como ao seu caráter subjacente de resistência e à relevância da preservação dos valores da negritude.
Uma das mais importantes homenagens prestadas a Mestre Cosme é a concessão da medalha que leva seu nome aos principais representantes dos Grupos de Capoeira de Piracicaba pela Câmara de Vereadores, por iniciativa do Festival Nacional de Capoeira Piracicaba – Fenacap.
Colaboraram com depoimentos (em ordem alfabética):
Antonio Filogênio Junior – discípulo de Mestre Cosmo, com quem começou a treinar capoeiragem 1987.
Maria Luísa Rigo da Costa – viúva de Mestre Cosmo.
Mestre Djop Barbosa – levado a mestre pelas mãos de Mestre Miguel Machado, em 1998. Sua escola de capoeira funciona em Bruxelas e na Antuérpia, na Bélgica, onde foram fundadas em 2001. Djop permaneceu no Cativeiro até 2012.
Mestre Geninho – recebeu diploma de mestre em 2000, pela Liga de Capoeira Piracicabana. Começou a treinar capoeira com Cosmo em 1977, no Grupo Cativeiro, onde permaneceu até 1998. Realizou trabalho com Mestre China até 2000. Hoje dá aulas de capoeira na Associação de Capoeira Engenho Central.
Mestre Mysso – recebeu o diploma de mestre das mãos de M. Miguel Machado, em 1998. Em 2000, fundou a Associação Resgate de Capoeira, em Piracicaba. Hoje dá aulas de capoeira na Bélgica.
Mestre Zequinha – recebeu seu diploma de professor das mãos de Cosmo, em 1985, e o diploma de mestre, de Boca Rica e Lua de Bobó, em 2001. Sua Escola de Capoeira Raiz de Angola foi aberta em 1996, em Piracicaba.
A Elaine Teotônio e Marcos Farias, do coletivo Afropira, agradeço as informações compartilhadas.
Minha gratidão a todos!
Referências:
Textos
BONIN, Cristiane. Capoeira é tema de uma série de documentários; o 1º será lançado hoje. Jornal de Piracicaba. Piracicaba, 12 abril 2022. Cultura. Disponível em: https://www.jornaldepiracicaba.com.br/capoeira-e-tema-de-uma-serie-de-documentarios-o-1o-sera-lancado-hoje/ Acesso em 27 setembro 2022.
MILANI, Luciano. Memória da capoeira. Portal Capoeira, 2006. Disponível em: https://portalcapoeira.com/capoeira/publicacoes-e-artigos/memoria-da-capoeira/. Acesso em: 22, set 2022.
REIS, Letícia Vidor de Sousa. O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. 3 ed. CRV: Curitiba, 2010.
___; Elisabeth Vidor. Capoeira: uma herança cultural afro-brasileira. São Paulo: Selo Negro Edições, 2013.
Entrevistas
DJOP, Mestre. Depoimento concedido a REIS, Letícia. Bélgica. 24/06/22.
GENINHO, Mestre. Depoimento concedido a REIS, Letícia, Piracicaba. 23/06/22.
MYSSO, Mestre. Depoimento concedido a REIS, Letícia. Piracicaba, 25/06/22.
ZEQUINHA, Mestre. Depoimento concedido a REIS, Letícia. Piracicaba, 25/06/22.
Vídeos
Canal do Afropira no YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/c/AFROPIRA Acesso em 27 setembro 2022.
Esposa de Mestre Cosmo – Maria Luísa Costa, no canal Afropira, no YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=83lzV_daQQo Acesso em 15 de julho de 2022.
MESTRE ZEQUINHA. Meus Mestres. Capoeira Raiz de Angola, s.d. Disponível em: https://capoeiraraizdeangola.wixsite.com/manhas-e-mandinga-/meus-mestres. Acesso em 14 de julho de 2022.
Roda de Capoeira na Rua do Porto – Piracicaba/SP, no canal @fernandocampos, no YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H1WZM107hrM Acesso em 21 de julho de 2022.
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