Brasiliana: cultura negra no palco (1949-73)
Por Juliana Pereira e Matthias Röhrig Assunção
O Grupo dos Novos surgiu no Rio de Janeiro, no final de 1949. Liderado por Haroldo Costa e Miécio Askanasy, logo no ano seguinte, passou a se chamar Teatro Folclórico Brasileiro (TFB) . A trupe conseguiu agregar compositores, encenadores, coreógrafos, bailarinos, atores e cantores ─ tanto profissionais de destaque quanto amadores, assumindo o papel de descobridora e formadora de talentos.
Rebatizado Brasiliana em 1953, foi o primeiro grupo brasileiro a exibir manifestações folclóricas como a capoeira e o maracatu no mundo inteiro, contando com mais de 8 mil apresentações, em mais de 50 países, até 1968.
Teatro e Cultura Popular
A cultura popular e afro-brasileira já era apresentada nos palcos cariocas desde a segunda metade do século XIX em espetáculos que ocorriam em diferentes espaços: nas barracas de festas religiosas, nos circos, em teatros e nos pequenos cafés da cidade. No caso dos teatros foi através do gênero revista, modalidade que combinava música, dança e comédia que esses elementos chegaram nos palcos.
O teatro de revista abriu um espaço para a representação da cultura afro-brasileira no universo teatral e essa presença negra era sempre negociada. Isto é, ainda que artistas negros chegassem ao palco, precisavam lidar com imagens preconceituosas que inferiorizavam a população negra. Mesmo assim, esses artistas conseguiram negociar, subverter e ressignificar esses estereótipos.
Os modos de resistência de artistas negros nos palcos eram diversos e alguns deles conseguiram inclusive investir em carreiras internacionais. Artistas como Plácida dos Santos, Geraldo Magalhães, Nina Teixeira e o grupo Oito Batutas, formado pelos músicos Pixinguinha, Donga e João da Baiana, fizeram turnês pela França, Portugal, Argentina e Uruguai, tocando e dançando música brasileira.
Para outros sujeitos, a resistência se deu através da organização de companhias teatrais. Era o caso, por exemplo, da Companhia Negra de Revistas, fundada em 1926 pelo ator negro João Cândido Ferreira, mais conhecido como De Chocolat. E ainda o Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por Abdias Nascimento, em 1944, com o objetivo alcançar o avanço da população negra e que contribuiu para a formação de uma importante geração de atores para o teatro, o cinema, o balé e futuramente para a televisão.
De diferentes modos essas experiências tinham por objetivo dar protagonismo para artistas negros. Inspirados nesses grupos, o Teatro Folclórico Brasileiro/Brasiliana vai trazer esse protagonismo de modo inovador, rompendo em grande parte com as experiências anteriores.
Do Grupo dos Novos à criação do Teatro Folclórico Brasileiro
No final de 1949 se formava no Rio de Janeiro um novo grupo artístico: o Grupo dos Novos, composto em grande parte por membros dissidentes do Teatro Experimental do Negro (TEN). Liderados pelo ator Haroldo Costa e pelo produtor Miécio Askanasy, no ano seguinte, o grupo passa a se denominar Teatro Folclórico Brasileiro (TFB).
Haroldo Costa (1964)
Haroldo Costa é um multiartista. Nascido em 1930 no Rio de Janeiro, ainda criança, depois da morte da mãe, foi mandado pelo pai para Alagoas, onde foi criado por sua tia. Aos 10 anos volta para o Rio para morar na Lapa. Participou das atividades do TEN estreando na peça O Filho Pródigo (1947).
Miécio Askanasy (1950)
Miécio Askanasy era um judeu austríaco, nascido em 1911. A incorporação da Áustria à Alemanha nazista em 1938, resultou na perseguição aos judeus e Askanasy, como muitos, emigrou para o Novo Mundo, chegando ao Brasil em 1939. Depois de passar por dificuldades financeiras, conseguiu, com a ajuda de amigos, abrir uma livraria na rua da Quitanda.
Fotos do Fundo Correio da Manhã, depositadas no Arquivo Nacional.
De acordo com relatos memorialísticos de Askanasy e Costa, o encontro entre ambos foi no terreiro de Joãozinho da Gomeia, em Duque de Caxias. Askanasy passou então a frequentar as reuniões do Grupo dos Novos, nas vizinhanças do Largo do Machado e, constatando que o grupo não tinha espaço adequando para ensaiar, ofereceu sua livraria nos horárias que estivesse fechada, das 18 às 20 horas. Com os ensaios mais regulares, a dinâmica mudou, permitindo que os talentos dos integrantes se desenvolvessem.
O grupo estreou no teatro em 1950 e o repertório seguia de perto o enraizamento dos atores, bailarinos e músicos em suas respectivas culturas negras regionais. Os quadros apresentados na estreia foram Navio Negreiro; Brejeiro; Bahia,1835; Funeral dum Rei Nagô; Batuque e Cateretê; Maracatu e Macumba da Selva. O quadro Bahia, 1835 era inspirado em um quadro de Rugendas e incluía uma cena de capoeira, sendo, provavelmente, a primeira vez que essa arte era apresentada num palco de teatro, e não em ringue de lutas.
A estreia foi saudada por uma série de críticos e intelectuais de destaque, em particular os integrantes do movimento folclorista. Depois do sucesso da estreia, o grupo conseguiu finalmente decolar. A turnê pela América do Sul começou na Argentina, onde os donos do Teatro Astral, em Buenos Aires, exigiram que se apresentassem como Ballet del Brasil, em vez de TFB. Dali o grupo seguiu para espetáculos em várias cidades do interior da Argentina. Na sequência, foram para Montevidéu, Chile e Venezuela, de onde embarcaram para Europa.
A temporada na Europa começou em Barcelona, no início de 1953, e em seguida foi a vez de Portugal, Itália França, Bélgica, Alemanha, Suíça, Rússia, Inglaterra, Escócia, todo o leste Europeu e o norte da África. Nessa altura o grupo mudou seu nome para Brasiliana, mais fácil para o público estrangeiro. Na imprensa internacional o grupo era elogiado pela originalidade do espetáculo.
Foto da chegada do agora grupo Brasiliana à Barcelona, em 5 de março de 1953. Imagem do acervo Cedoc-Funarte.
A volta do Brasiliana para o Brasil, em setembro de 1955, foi recebida com certo entusiasmo pela imprensa brasileira. Nas notícias destacava-se que o grupo saiu do “amadorismo” para o “estrelato internacional”.
“A maior embaixada artística que já deixou o Brasil, volta, quatro anos depois, coberto de glórias” e “tournée por 25 países, visitando 250 cidades” eram alguns dos subtítulos de extensa matéria no jornal A Noite. A apresentação no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, logo em seguida à sua volta, simbolizava o duramente conquistado reconhecimento profissional para esses artistas.
O sucesso resultou em certo êxito da Brasiliana como empresa, mas as dissidências internas modificaram a estrutura interna do grupo, resultando na saída de Haroldo Costa e na centralização de Miécio Askanasy como diretor do grupo. A busca pela inserção em uma indústria cultural cada vez mais competitiva também fez com que a Brasiliana se adequasse a uma estética comum a muitas apresentações de sucesso da época e se afastasse dos ideais comunitários da fase amadora inicial.
Ainda assim, ao levar para os palcos o folclore negro, a Brasiliana foi muito além das iniciativas anteriores: em suas performances, o folclore negro era apresentado como arte, que dialogava com as vanguardas artísticas nacionais e internacionais, em particular com o modernismo negro transatlântico.
Brasiliana: Balé negro e performance no circuito transatlântico, 1949-73
Aproveite e leia na íntegra o artigo de Juliana Pereira e Matthias Röhrig Assunção, publicado na Revista Afro-Ásia, n. 69, 2024.
Juliana Pereira e Matthias Röhrig Assunção fazem parte da equipe do CapoeiraHistory.com.
Outras referências:
Roberto Augusto Pereira, “Teatro Folclórico Brasileiro/Brasiliana: Teatro negro e identidade nacional”, Revista Transversos, Rio de Janeiro, n. 20 (2020), p. 216-238.
Roberto Augusto Pereira, “Teatro Folclórico Brasileiro/Brasiliana: Teatro negro e identidade nacional”, Revista Transversos, Rio de Janeiro, n. 20 (2020), p. 216-238.