Por Nestor Capoeira
Eu cursava o primeiro ano da Escola de Engenharia da UFRJ, na distante (em relação à Copacabana, onde eu morava com meus pais e irmãos) Ilha do Fundão. Um dia, eu estava no pátio da escola conversando com alguns amigos quando vi, longe na estrada, um cara que se aproximava pedalando a toda velocidade.
À medida que se aproximava comecei a perceber os detalhes da roupa da figura: chapeuzinho de aba curta, desses usados pelos sambistas; um colete vermelho com bolinhas brancas, completamente aberto sobre o peito nu, que balançava no vento feito as asas de um pássaro; calça boca de sino listrada de verde pistache e cinza e um largo cinto de couro preto com uma enorme fivela na cintura; sapatos de sola plataforma com uns 3 centímetros de altura, todo cravejado de estrelinhas prateadas.
Ele entrou pátio adentro a toda velocidade e então deu um tremendo cavalo de pau e, girando, acabou parado ao lado de uma pilastra, onde calmamente encostou a bicicleta depois de saltar. Aí reparei numa coisa mais estranha ainda: ele levava, preso entre os lábios, uma espécie de graveto pintado de preto, vermelho e branco com uns 30 ou 40 centímetros de comprimento. De repente, o graveto começou a se mexer e se enrolou em volta do pescoço daquela estranha pessoa: Leopoldina criava cobras em casa, e aquela ‑ uma falsa coral ‑ era uma de suas preferidas.
Eu perguntei para um amigo: “Porra, quem é esse cara?”. Ele respondeu: “É o mestre Leopoldina. Ensina capoeira na Atlética” ‑ que era a parte desportiva dos diretórios estudantis. “Ele vem de bicicleta da Cidade de Deus até a Ilha do Fundão. É longe…” ‑ completou esse meu amigo.
Infância e Juventude
Demerval Lopes de Lacerda (1933-2007), o mestre Leopoldina, nasceu no Rio de Janeiro num sábado de carnaval. Foi criado pela mãe e depois por tias e outras senhoras que o acolheram. Menino ainda, fugiu de casa para vender balas junto a outros moleques que dominavam as linhas da Estrada de Ferro Central do Brasil, que une o centro da cidade aos subúrbios mais distantes do Rio. Foi na Central do Brasil que ele se formou e fez pós-graduação em malandragem, aproximadamente em 1950.
Adolescente, foi, por vontade própria, numa época de vacas muito magras, para o SAM ‑ o temido Serviço de Assistência ao Menor. Leopoldina não tinha reclamações desta época; ao contrário, jovem malandro criado nas ruas, entrou logo para o time dos “diretores”. Entre outras coisas, aprendeu a nadar, dando regularmente a volta na ilha onde estava situado o reformatório, o que lhe deu uma excelente forma física.
Ao sair do SAM, já com 18 anos em 1951, e velho demais para vender bala e amendoim nos trens, começou a vender jornais e logo montou uma equipe de pivetes. Pela primeira vez, começou a ganhar dinheiro, vestir altas becas e frequentar o mulherio da Zona do Mangue, onde fez fama devido ao tamanho de seu pênis. Leopoldina frequentou as prostitutas, não raro mais de uma vez ao dia, sem usar qualquer proteção, como as camisinhas de Vênus, e incrivelmente nunca pegou doenças venéreas.
A Capoeira
Foi nessa época que conheceu Quinzinho, Joaquim Felix, um jovem e perigoso marginal, chefe de quadrilha, que já havia cumprido pena na Colonia Penal e carregava algumas mortes nas costas. Quinzinho era capoeirista e foi o primeiro mestre de Leopoldina na arte da “tiririca”, a capoeira dos malandros cariocas, sem berimbau, descendente da capoeira das maltas dos anos 1800.
Alguns anos mais tarde, Quinzinho foi, mais uma vez, preso e, desta vez, assassinado na prisão. Leopoldina sumiu da área, com medo de represálias de marginais inimigos. Quando voltou às ruas, conheceu Artur Emídio, chegado recentemente de Itabuna, Bahia. Tornou-se aluno de Artur por volta de 1954, conhecendo então a capoeira baiana jogada ao som do berimbau.
Mais tarde, Leopoldina foi trabalhar no Cais do Porto e acabou conseguindo entrar para a Resistência, um dos ramos da estiva. Aposentou-se cedo, antes dos 45 anos de idade devido a um acidente de trabalho (que, felizmente, não deixou sequelas) e pode viver mais intensamente a vida de capoeirista e malandro alto-astral.
A Mangueira
Outro aspecto importante da vida de Leopoldina foi seu relacionamento com o samba. Saiu com a Mangueira, pela primeira vez, no carnaval de 1961, aos 28 anos de idade. A Mangueira foi a primeira escola de samba a colocar a capoeira em seus desfiles, o que deu grande visibilidade à capoeira. Leopoldina chegou a organizar um grupo de 60 capoeiristas na ala V.C. Entende, a ala show da Mangueira. E continuou saindo até aproximadamente 1974.
Eu mesmo desfilei várias vezes na Mangueira, a convite de Leopoldina, quando ainda era um novato de capoeira, por volta de 1968/1970.
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