Por Roberto Pereira.
No início dos anos 1950, o jovem Artur Emídio de Oliveira (1930 – 2011) deixou a pequena cidade de Itabuna, no interior da Bahia, para conquistar o mundo. Segundo ele próprio, seu objetivo era mostrar o “valor da luta nacional”, a capoeira. Aluno de Paizinho (Teodoro Ramos), além de Itabuna, Artur Emídio desafiou lutadores e subiu nos ringues em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Devido a sua excepcional habilidade, conseguiu um duelo com Robson Gracie, em uma época em que a família já dominava os ringues. Vencido, pediu revanche, mas não teve seu apelo considerado. Continuou com as lutas em uma trajetória de vitórias e derrotas. Chegou a ser anunciado em jornais do eixo Rio-São Paulo como o maior capoeira do Brasil, “o rei da capoeira”.
Todavia, o protagonismo deste eminente capoeira baiano não se restringiu aos combates. Além dos ringues, Artur Emídio se aventurou nos palcos. Naqueles anos 1950, artistas negros e negras definitivamente conquistaram os tablados. O Mestre Artur Emídio fez parte de uma geração que levou aos jornais, teatros, cinema, rádio e televisão práticas negras à época muito discriminadas, como a capoeira, samba, candomblé, maracatu, frevo, e as apresentou como “genuinamente brasileiras”.
Foi o período em que grandes companhias teatrais e grupos folclóricos emergiram, como o pioneiro grupo “Brasiliana”, de Haroldo Costa e Miécio Askanasy, o Balé Folclórico Mercedes Batista e o Teatro Popular Brasileiro, de Solano Trindade, dentre outros. Essas companhias, com elenco e direção eminentemente negros, adaptaram para os palcos e as telas estas práticas à época restritas aos terreiros e às ruas -, dando-lhes visibilidade, agregando-lhes valor e chamando a atenção para a sua importância. O agenciamento desses grupos e seus espetáculos foi fundamental para a transformação da imagem dessas manifestações de um status de étnicas e locais a práticas vistas como nacionais e brasileiras.
Esse pequeno documentário a seu respeito não deixa de ser um primeiro e modesto tributo a este grande mestre da capoeiragem. Trata-se, na verdade, de mais um instrumento para tornar a trajetória desse velho capoeira baiano um pouco mais conhecida pelo grande público.
Iniciamos gravações em 2018 de forma completamente independente e concluímos em 2023, quando conseguimos um pequeno recurso para sua finalização. O filme foi feito a partir de pesquisa histórica, com uso de imagens de arquivo e de algumas poucas entrevistas que conseguimos realizar quando ainda estávamos no Rio de Janeiro. À época conseguimos colher o depoimento de dois grandes guardiões da história da capoeira carioca, Mestre Genaro (1934 – 2022) e Mestre Polaco (1949 – 2021) e do estudioso da capoeira no Rio de Janeiro, Matthias Röhrig Assunção. Para nossa tristeza, não obtivemos recurso a tempo de finalizar o documentário antes da partida dos velhos mestres Genaro e Polaco.
Apesar de tentarmos, infelizmente, não conseguimos obter o depoimento de outros alunos e pessoas mais próximas do Mestre Artur Emídio, o que é uma lacuna visível. Por outro lado, isso significa que há um vasto material humano a ser explorado em outros documentários de outros diretores e diretoras.
Que venham outros curtas, longas, séries!
E um grande viva ao Mestre Artur Emídio de Oliveira!
Aproveite para assistir o documentário sobre o Mestre Artur Emídio:
Ficha técnica:
Direção: Roberto Pereira e Ricardo Pereira
Pesquisa e Roteiro: Roberto Pereira
Direção de fotografia: Paulo do Vale
Montagem e finalização: Marcelo Souza
Produção: Coletivo Volta do Mundo e Ina Ilha
Som direto: Inaldo Aguiar
Trilha: Paulinho Akomabu
Elenco:
Mestre Luís Senzala
Mestre Cabeleira
Instrutor Izalberto Diniz
Instrutor Flávio Oliveira
Pensativo do Pandeiro
Luppretinha Barros
Roberto Pereira é diretor de Cinema pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro (RJ) e Doutor em História Comparada pela UFRJ. É autor de Rodas Negras – capoeira, samba, teatro e identidade nacional (Perspectiva, 2023). Dirigiu e roteirizou filmes exibidos em festivais de cinema e eventos estaduais, nacionais e internacionais. Foi Visiting Fellow no Departamento de História da Universidade Harvard.
Parabéns !
Muito bom ter essa história preservada aqui . Pois * o mundo tem memória fraca.
E foi com muita luta de guerreiros como Mestre Arthur,Genaro,Polaco e outros que não estão mais conosco ,que lutaram pra que hoje a capoeira esteja em lugares altos. Mas que muito precisa ser feito.
E a primeira delas ,é que alguns que estão em lugares de autoridade e decisão deixem de usar a capoeira e retirem as “correntes” pra que ela possa ser livre com seus valores e saberes orais e ancestrais ,pra circular nas escolas ,academias e espaços de arte e cultura como um símbolo de resistência e d valor pra nação .E não mais um símbolo de preconceito, rejeição e apagamento .