Por Celso de Brito.
Encontros e desencontros
A capoeira teresinense surge na década de 1970 e se consolida na década seguinte com uma série de encontros e desencontros. Entre as tradições que se encontraram e formaram a capoeira da cidade estão as de Mestre Zé da Volks, de São Paulo, Mestre Mão-de-Ouro, de Brasília, e Mestre Camisa, do Rio de Janeiro. Os desencontros, por sua vez, foram fundamentais para a formação da comunidade capoeirística local, cujos contornos são visíveis até os dias atuais.
Entre os representantes locais das principais linhagens, estão os piauienses Mestre Albino, líder e fundador do Grupo de Capoeira Escravos Brancos, que migrou para São Bernardo do Campo – SP, no início da década de 1970, onde aprendeu capoeira com mestre Zé da Volks; e os irmãos mestres Bobby, Chocolate e Tucano que se uniram a John Grandão para representarem o antigo Grupo Senzala Piauí e, posteriormente, o Abadá Piauí, sob a coordenação geral de Mestre Camisa. Com exceção de Mestre Albino, todos os outros mestres piauienses encontram-se, hoje, em outros grupos.
As federações
A capoeira teresinense está fortemente atrelada à estrutura burocrático-administrativa das federações desde seu primórdio. Mestre Albino, quando retornou de São Bernardo do Campo em 1977, trouxe para o Piauí, além dos ensinamentos de Mestre Zé da Volks, o modelo da Federação Paulista de Capoeira. Funda então a Federação Piauiense de Capoeira (FPC) e tenta agregar todos os capoeiristas locais em torno dos seus princípios.
Anos se passaram e esse modelo das federações se tornou hegemônico na cidade. A princípio, foi sentido como condição imposta pelo poder público para a obtenção de subsídios a eventos. Como diz mestre Albino, “sempre houve uma pressão das autoridades, toda vez que íamos na secretaria, qualquer capoeirista, eles diziam: ‘não, tem que ser todo mundo junto, tem que vir uma federação’”. Depois, a federação passou a ser entendida como uma unidade política de onde as demandas e estratégias para obtenção direitos surgiam. A nova geração de mestres, herdeira da linhagem do antigo Senzala Piauí, percebeu a importância que a burocratização da capoeira adquiria na cidade e fundou sua própria federação, a Federação de Capoeira Piauiense (FECAPI).
Eleições municipais e candidatos capoeiristas
(1) A definição das eleições municipais dependem da relação entre número de habitantes votantes e número de vagas para vereadoras na câmara, este número e chamado de Quociente Eleitoral (QE). A partir do QE define-se o número de votos que cada partido (ou coalisão de partidos) deve obter para garantir uma vaga na câmara. Cada candidato deve obter no mínimo 10% dos votos do total deste QE. Em Teresina, o QE é cerca de 15.000 votos. Então, para um candidato se eleger, ele deve fazer parte de um partido que obteve no mínimo 15.000 votos, ele próprio ser o candidato mais votado entre os candidatos do seu partido (ou coalisão) com, no mínimo, 1.500 votos.
O desafio que transcende a comunidade local
A burocratização da capoeira teresinense na forma de federações é vista como inerente à própria prática, mas insuficiente para a garantia de direitos dos capoeiristas, o que motiva a ação político-partidária e a busca por representatividade na câmara de vereadores.
Há aqui um desafio que se apresenta a partir da contradição entre uma força que tende a separar e garantir a diversidade da capoeira e outra força que busca agregar e fortalecer a comunidade como um todo.
Infelizmente, depois de muitas tentativas de unificação da comunidade geral, os capoeiristas teresinenses seguem reproduzindo, no âmbito burocrático e político, as divergências existentes no campo das linhagens. É o que também vemos acontecer em escala nacional, com a criação do Partido Brasileiro da Capoeira (PBC). A intenção dos mestres envolvidos era reunir a comunidade nacional e eleger alguns deputados que de fato representassem a capoeira no Congresso. Porém, antes mesmo de conseguirem o registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PBC se dividiu e surgiu um partido de oposição, o Partido Nacional da Capoeira (PNC).
Ambos seguem com o árduo trabalho para reunir delegações estaduais (agora divididas) para conseguirem registrar os partidos no TSE.
Eis o desafio para os capoeiristas de Teresina, do Brasil e talvez do mundo: manter a riqueza da capoeira com suas linhagens, tradições, estilos e ideologias próprios, criando ao mesmo tempo pontes políticas que fortaleçam a comunidade como um todo. Pois se há muitas diferenças, há de haver muitos pontos de convergência!
Celso de Brito é doutor em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Hoje é professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Na capoeira, é professor desde 2018, responsável pelo Grupo de Capoeira Angola Zimba em Teresina, Piauí.
Leia o artigo completo sobre o tema:
BRITO, Celso de; SILVA, Robson Carlos da. A capoeira teresinense: linhagens, federações e suas posições no espectro político. Revista Entrerios, vol. 4, n. 2, p. 60-97, (2021). Disponível em: https://revistas.ufpi.br/index.php/entrerios/article/view/12938/8235. Acessado em jun. 2023.